Precisamos de uma base no que diz respeito ao tipo de argumentação que pode ser utilizado como estratégia textual, seja para convencimento do leitor, seja como mera informação.
Torna-se imperioso observar que a tipologia textual será determinada pelo objetivo do autor, ou seja, a quantidade de linhas de um determinado tipo textual não representa necessariamente a tipologia do texto inteiro. Se em um fragmento narrativo de trinta linhas foi utilizado um recurso argumentativo para a defesa de uma tese exposta em apenas uma linha, ainda assim o texto é dissertativo. Isso se esclarece pelo fato de que não é o número de linhas que caracteriza o texto como um todo, mas sim sua finalidade.
Dessa forma, podemos encontrar textos narrativos com argumentos de autoridade e textos argumentativos com trechos narrativos. Isso pode acontecer por meio de parágrafos expositivos que têm função meramente informativa; parágrafos argumentativos que explicam o porquê da tese ou tentam comprovar sua validade; e até mesmo trechos elaborados por meio de alusão histórica em que o autor cria uma ambientação situada historicamente, apresentando, por exemplo, antecedentes históricos. Lembre-se de que todas essas estratégias de argumentação são também consideradas estratégias de evidência, uma vez que a tese é defendida de forma a dar credibilidade ao texto, não apresentando dúvida quanto à sua verdade. Vejamos algumas estratégias que podem ser utilizadas em textos argumentativos que se destinam à defesa de uma tese.
TIPOS DE ESTRATÉGIAS ARGUMENTATIVAS
Argumentação por autoridade ou informações de terceiros
A argumentação por autoridade é realizada por meio da demonstração de opiniões de pessoas “consideradas autoridades” para a ideia proposta no tema do texto. Inclusive, podemos observar isso em um texto já utilizado em prova. Vejamos agora o texto e a utilização do argumento de autoridade.
Individualistas e comportados. E daí?
Cientistas sociais e filósofos de inúmeras correntes garantem: a geração de 90 é ambígua. Explica-se: os adolescentes dessa época buscam o bem-estar individual mas também consideram o conceito “viver dignamente” como um direito da humanidade. Só que eles não pretendem se fatigar nas lutas sociais, nem se sentem atraídos por bandeiras políticas ou cartilhas ideológicas. Em uma pesquisa recente na França, o item “justiça social” foi classificado como um dos menos importantes por moças e rapazes na faixa dos 14 aos 17 anos. Imediatamente, a geração que ouve Madonna, diverte-se com Steven Spielberg e devora sanduíches passou a ser chamada de “novos individualistas”. O filósofo e escritor francês Laurent Joffrin, autor do livro Um toque de Juventude, celebra com muito otimismo os “moralistas de blue jeans: “eles não são apáticos como se supõe. Seus interesses vão além do prazer imediato e da pura distração”, explica Joffrin. Mais cético, seu colega Alain Finkelkraut acredita que os jovens dos anos 90 se apoiam em relacionamentos superficiais e valores distorcidos. “Comportam-se como se a vida fosse um grande videoclip…”, lamenta. Enquanto os intelectuais batem boca, os ingleses que cresceram ouvindo a balada conservadora de Margareth Thatcher hoje insistem que a vida comportada é muito melhor. Em um pesquisa da revista Look Now, moças e rapazes de 15 a 24 anos confessam gostar de boas roupas, querem ser vistos como pessoas sensíveis e responsáveis, pretendem ter uma carreira sólida e fazer fortuna. Desnecessário dizer que a Dama de Ferro adorou os resultados da pesquisa.
Laura Greenghalg – Sociedade dos Poetas Vivos, In:Elle, ago/1998 p. 35 (com adaptações).
Observe que os trechos em negrito são todos considerados argumentos de autoridade, pois o autor tem como objetivo tornar o seu texto mais convincente e para isso não se utiliza apenas das falas de cada indivíduo citado no texto, mas também das funções que lhe conferem esta autoridade, uma vez que a pessoa citada no texto pode não ser conhecida do leitor. Assim é possível constatar que não é apenas o nome do indivíduo que caracteriza a autoridade, e sim a importância que esse indivíduo traz ao tema apresentado. Da mesma maneira isso acontece com o uso de pesquisas que conferem veracidade às informações apresentadas.
Argumentação por analogia ou por comparação
Este tipo de argumentação acontece por meio de uma comparação. Veja o exemplo:
“A vida agitada das grandes cidades aumenta os índices de doenças do coração. Imagine o leitor, por exemplo, um automóvel dirigido suavemente, com trocas de marcha em tempo exato, sem freadas bruscas ou curvas violentas. A vida desse veículo tende a prolongar-se bastante. Imagine agora o contrário: um automóvel cujo proprietário se compraz em arrancadas de “cantar pneus (…)”.
Observamos nitidamente que o autor do texto se utiliza de uma estratégia de comparação para conduzir o pensamento do leitor e, para isso, compara a forma como se “dirige” a vida com a forma como se dirige um automóvel.
Argumentação por apresentação de dados estatísticos
Este tipo de estratégia argumentativa é feito por meio da apresentação de dados estatísticos e, assim como as outras estratégias, serve para provar aquilo que é dito no texto. Geralmente, os dados utilizados são oriundos de pesquisas de órgãos públicos habilitados para a divulgação de tais dados. Vejamos o texto abaixo:
“O ministro da Educação, Cristovam Buarque, lança hoje o Mapa da Exclusão Educacional. O estudo do Inep, feito a partir de dados do IBGE e do Censo Educacional do Ministério da Educação, mostra o número de crianças de sete a catorze anos que estão fora das escolas em cada estado. Segundo o mapa, no Brasil, 1,4 milhão de crianças, ou 5,5 % da população nessa faixa etária (sete a catorze anos), para a qual o ensino é obrigatório, não frequentam as salas de aula. O pior índice é do Amazonas: 16,8% das crianças do estado, ou 92,8 mil, estão fora da escola. O melhor, o Distrito Federal, com apenas 2,3% (7 200) de crianças excluídas, seguido por Rio Grande do Sul, com 2,7% (39 mil) e São Paulo, com 3,2% (168,7 mil).”
(Mônica Bergamo. Folha de S. Paulo, 3.12.2003)
Argumentação por exemplos
Este tipo de argumentação é realizado por meio de exemplos que elucidam ou justificam a ideia apresentada na tese. Um bom exemplo fundamenta a argumentação, pois pode relatar casos que sustentam a tese como verdadeira. Vejamos o texto abaixo:
O Brasil das cabeças desarrumadas
Elio Gaspari (O Globo)
O resultado do referendo fez um bem ao país. Instaurou o império das cabeças desarrumadas, e o Brasil precisa delas.
Uma pessoa de cabeça desarrumada é assim: defende a pena de morte e o ensino gratuito nas universidades públicas. É a favor do aborto e se diz católico. Votou Lula em 2002 e José Serra em 2004. É contra as cotas nas universidades e milita numa Ong de defesa da Mata Atlântica. Por desarrumada, essa cabeça pode pensar tudo ao contrário e não faz a menor diferença. A desarrumação determina e incentiva o debate. Opõe-se a um mundo de ideias ordenadas no qual a pessoa deve se preocupar em “pensar direito”, entendendo-se que sempre haverá alguém explicando o que vem a ser “pensar direito”.
Houve uma época em que a expressão “raciocinar em bloco” designava, com alguma ironia, inteligências ou culturas privilegiadas, sacerdotes do bem-pensar. Aceitando-se as virtudes do mestre, esperava-se sua opinião e ia-se atrás. Essa atitude tanto pode colocar uma pessoa na condição de discípulo de um grande pensador como pode embalá-la na treva da ignorância. O segundo caso ocorre com maior frequência.
As cabeças arrumadas brasileiras, atraídas pela construção de modelos intelectuais harmônicos, dão pouca atenção ao funcionamento da sociedade. Preferem evitar o assunto. Alguns exemplos.
O bem-pensar urbano do Rio de Janeiro legislou que é proibido construir apartamentos com menos de 30 metros quadrados. Coisa de gente muito bem educada. Faltou dizer onde vai morar uma família que não tem dinheiro para essa metragem. Na favela, por certo. A discussão dessa lei de incentivo à favelização está fora do debate urbano carioca.
O bem-pensar tributário estabeleceu que os serviços de telefonia devem ser taxados com mão-de-ferro, pois vai-se tomar dinheiro do andar de cima para custear investimentos que atenderão ao de baixo. Deu no seguinte: o patrão fala com Paris de graça pelo Skype e a empregada paga R$ 5 por um telefonema de dez minutos para Bangu. Um imposto destinado a buscar justiça produz injustiça, mas o tema está fora da agenda dos teletecas.
O bem-pensar diplomático levou Lula a propor uma cruzada mundial contra a fome. Fez isso em Genebra, Paris e Nova York. Passados dois anos, contou que gostaria de arrumar recursos para combater a desnutrição da África, aumentando as taxas de embarque nos aeroportos brasileiros. Falta dizer aos usuários do Galeão que eles pagam uma das taxas mais altas do mundo, o dobro do que se cobra no Aeroporto Kennedy.
Num caso mais farisaico, tome-se o exemplo da legislação penal brasileira. Bem pensada, faz inveja a um advogado sueco. São muitos os doutores que fazem palestras pelo mundo descrevendo essa joia de modernidade. Jamais um ministro da Justiça contará que as maravilhas são parolas. O que vale mesmo é a lei da massa. O bandido que entra na prisão passa a uma nova instância judicial, a de seus pares. Maltratou a mãe? Morre. Estupro? Se não morrer, sofre o que fez. Respeito, só para os estelionatários.
No Brasil das cabeças desarrumadas cada tema poderá ser discutido e avaliado isoladamente. Muitas opiniões resultarão contraditórias, mas é esse exercício do juízo individual que enriquece o debate público.
Harmonia e nexo podem ser desejáveis, mas é preferível conviver com pessoas de cabeça desarrumada cujas opiniões não formam um nexo final do que aturar gente que tem muito nexo mas não se responsabiliza pelas opiniões que dá.
Os trechos em negrito são argumentos exemplificativos que têm como objetivo mostrar a veracidade da tese apresentada no primeiro parágrafo (O resultado do referendo fez um bem ao país. Instaurou o império das cabeças desarrumadas, e o Brasil precisa delas.), comprovando o posicionamento do autor do texto.