Narrar é contar uma história. Dessa forma, a narração tem como centro a ação, ou seja, o fato. Um texto narrativo é uma sequência de ações que se sucedem através do tempo e do espaço.
Vamos estudar quais são os elementos que constituem o texto narrativo. São eles:
FATO/FATOS: É aquilo que forma o centro da narrativa, ou seja, são os acontecimentos que formam a história. Acontecimentos (fatos) que surgem em ordem cronológica, ou seja, um fato após o outro.
NARRADOR: É o elemento que conta a história que narra o fato. Ele pode ser interno, ou seja, faz parte da história, ou externo, isto é, não faz parte da história.
PROTAGONISTA: É o personagem central, aquele que ocupa o centro da narrativa.
ANTAGONISTA: É o personagem cujas ações se opõem à ação do protagonista. Um representando o bem, e o antagonista representando o mal, em geral.
PERSONAGENS SECUNDÁRIOS: São os personagens, também chamados coadjuvantes, que circulam em torno dos personagens principais, ajudando a compor o universo da narrativa.
TEMPO: Momento real ou fictício, em que ocorrem as ações. Na narração, o tempo não para. Ele fica em constante movimento para evidenciar a sequência de fatos.
ESPAÇO: Local, real ou fictício, em que passa a narrativa.
Os elementos completos de uma narrativa devem responder às seguintes perguntas de seu leitor:

Nem sempre, meu aluno, todos os elementos da narração estarão presentes. Sendo assim, os únicos elementos que não podem deixar de existir – até porque sem eles não há narrativa – são: o fato, o narrador e o protagonista. Lembrando-se de que o protagonista pode ser o próprio narrador.
Quando o narrador parece saber tudo o que se passa na narrativa, inclusive dos mais secretos pensamentos dos personagens, é um narrador onisciente / onipresente (funciona como um deus, podendo ser chamado de narrador deus).
Exemplos de textos narrativos:
Exemplo 1:
Misael, funcionário da Fazenda, com 63 anos de idade.
Conheceu Maria Elvira na Lapa – prostituída, com sífilis,
Demite nos dedos, uma aliança empenhada e os dentes em petição de miséria.
Misael tirou Maria Elvira da vida, instalou-a num sobrado no Estácio, pagou médico, dentista, manicura…Dava tudo quanto
Ela queria.
Quando Maria Elvira se apanhou de boca bonita, arranjou logo um namorado.
Misael não queria escândalo. Podia dar uma surra, um tiro, uma facada. Não fez nada disso: mudou de casa.
Viveram três anos assim.
Toda vez que Maria Elvira arranjava namorado, Misael mudava de casa.
Os amantes moravam no Estácio, Rocha, Catete, Rua General Pedra, Olaria, Ramos, Bom Sucesso, Vila Isabel, Rua Marquês de Sapucaí, Niterói, Encantado, Rua Clapp, outra vez no Estácio, Todos os santos, Catumbi, Lavradio, Boca do Mato, Inválidos…
Por fim na Rua da Constituição, onde Misael, privado de sentidos e de inteligência, matou-a com seis tiros, e a polícia foi encontrá-la caída em decúbito dorsal, vestida de organdi azul.
(Tragédia brasileira – Manuel Bandeira)

Exemplo 2:
— Que mudança é essa? Perguntou Sofia, quando ele lhe apareceu no fim da semana.
— Vim saber do seu joelho; está bom?
— Obrigada.
Eram duas horas da tarde. Sofia acabava de vestir-se para sair, quando a criada lhe fora dizer que estava ali Rubião, — tão mudado de cara que parecia outro. Desceu a vê-lo curiosa; achara-o na sala, de pé, lendo os cartões de visita.
— Mas que mudança é essa? repetiu ela.
Rubião, sem nenhum sentimento imperial, respondeu que supunha ficarem-lhe melhor os bigodes e a pêra.
— Ou estou mais feio? concluiu.
— Está melhor, muito melhor.
E Sofia disse consigo que talvez fosse ela a causa da mudança. Sentou-se no sofá, e começou a enfiar os dedos nas luvas.
(Quincas Borba – Machado de Assis)
- O quê? Mudança de visual por parte de Rubião ao ponto de parecer outra pessoa.
- Quem? Rubião, Sofia e criada.
- Como? Visita de Rubião a Sofia.
- Quando? No final de semana, por volta das duas da tarde.
- Onde? No local em que Sofia se encontrava.
- Por quê? Um suposto interesse de Rubião por Sofia.
TIPOS DE NARRATIVA
A narrativa pode ser real ou fictícia. A real relata os fatos como eles ocorreram, sem recriá-los, limitando-se à realidade. A fictícia cria ou recria fatos.
É muito importante destacar que a narrativa pode mostrar um fato possível, ou seja, um fato em que se pode crer. Quando isso acontece, diz-se que ela é verossímil; entretanto, quando os fatos mostrados estão totalmente fora das possibilidades reais, diz-se que ela é inverossímil.
Vamos conhecer algumas tipologias narrativas que são consideradas ficcionais. São elas:
ROMANCE: Caracterizada pela coexistência de várias células dramáticas ou conflitos, sendo que o autor elege apenas alguns em torno dos quais se constrói o texto. É um texto mais longo, com no mínimo dois personagens, sendo um deles o protagonista.
NOVELA: É um texto bem longo, com várias células dramáticas que têm praticamente vida própria (como se fossem contos), os chamados “capítulos”, e se entrelaçam no final, adquirindo uma unidade. Diferentemente do romance, na novela todas as células dramáticas são privilegiadas; cada capítulo termina com um “gancho” para o próximo, de modo a manter a dependência entre eles.
CONTO: Narrativa curta com uma só unidade dramática, uma só história, uma só ação central. Os personagens do conto – geralmente poucos – já aparecem “prontos”, em plena ação.
CRÔNICA: Narrativa curta semelhante ao conto em alguns aspectos, geralmente mais ligadas aos fatos do dia a dia (cotidiano). Em geral, os personagens não são nomeados, eles são identificados, na maior parte, por uma de suas profissões ou grau de parentesco, etc. As crônicas apresentam um caráter jocoso, irônico ou humorístico ao final da narrativa.
FÁBULA: Narrativa curta, quase sempre protagonizada por animais personificados. A fábula normalmente se encerra com alguma mensagem moral a ser refletida por seus respectivos leitores.
Vamos conhecer também algumas tipologias narrativas que são consideradas reais. São elas:
BIOGRAFIA: É a narrativa da vida de alguém. Pode ser escrita pelo próprio autor ou por outra pessoa.
RELATO: Texto narrativo curto, essencialmente informativo, como um relatório, uma carta, um e-mail, etc.
ARTIGO: Texto normalmente divulgado pela imprensa, elaborado com base em fatos atuais. Difere da reportagem pelo grau de isenção do autor, pois, em um artigo, o autor tem liberdade de expor sua opinião.
REPORTAGEM: Texto narrativo também essencialmente informativo, sem limite de tamanho. Em princípio, deve limitar-se a narrar os acontecimentos, sem juízo de valor. O objetivo é apenas informar os fatos.
Exemplo de Crônica:
Lágrimas e testosterona
Ele vivia furioso com a mulher. Por, achava ele, boas razões. Ela era relaxada com a casa, deixava faltar comida na geladeira, não cuidava bem das crianças, gastava demais. Cada vez, porém, que queria repreendê-la por uma dessas coisas, ela começava a chorar. E aí, pronto: ele simplesmente perdia o ânimo, derretia. Acabava desistindo da briga, o que o deixava furioso: afinal, se ele não chamasse a mulher à razão, quem o faria? Mais que isso, não entendia o seu próprio comportamento. Considerava-se um cara durão, detestava gente chorona.
Por que o pranto da mulher o comovia tanto? E comovia-o à distância, inclusive. Muitas vezes ela se trancava no quarto para chorar sozinha, longe dele. E mesmo assim ele se comovia de uma maneira absurda.
Foi então que leu sobre a relação entre lágrimas de mulher e a testosterona, o hormônio masculino. Foi uma verdadeira revelação. Finalmente tinha uma explicação lógica, científica, sobre o que estava acontecendo. As lágrimas diminuíam a testosterona em seu organismo, privando-o da natural agressividade do sexo masculino, transformando-o num cordeirinho.
Uma ideia lhe ocorreu: e se tomasse injeções de testosterona? Era o que o seu irmão mais velho fazia, mas por carência do hormônio.
Com ele conseguiu duas ampolas do hormônio. Seu plano era muito simples: fazer a injeção, esperar alguns dias para que o nível da substância aumentasse em seu organismo e então chamar a esposa à razão.
Decidido, foi à farmácia e pediu ao encarregado que lhe aplicasse a testosterona, mentindo que depois traria a receita. Enquanto isso era feito, ele, de repente, caiu no choro, um choro tão convulso que o homem se assustou: alguma coisa estava acontecendo?
É que eu tenho medo de injeção, ele disse, entre soluços. Pediu desculpas e saiu precipitadamente. Estava voltando para casa. Para a esposa e suas lágrimas.
Exemplo de Conto:
Cheguei em casa carregando a pasta cheia de papéis, relatórios, estudos, pesquisas, contratos. Minha mulher, jogando paciência na cama, um copo de uísque na mesa-de-cabeceira, disse, sem tirar os olhos das cartas, você está com um ar cansado. Os sons da casa: minha filha no quarto dela treinando empostação de voz, a música quadrafônica do quarto do meu filho. Você não vai largar essa mala? Perguntou minha mulher, tira essa roupa, bebe um uisquinho, você precisa aprender a relaxar.
Fui para a biblioteca, o lugar da casa onde gostava de ficar isolado e como sempre não fiz nada. Abri o volume de pesquisas sobre a mesa, não via as letras e números, eu esperava apenas. Você não pára de trabalhar, aposto que os teus sócios não trabalham nem a metade e ganham a mesma coisa, entrou a minha mulher na sala com o copo na mão, já posso mandar servir o jantar?
A copeira servia à francesa, meus filhos tinham crescidos, eu e a minha mulher estávamos gordos. É aquele vinho que você gosta, ela estalou a língua com prazer. Meu filho me pediu dinheiro quando estávamos no cafezinho, minha filha me pediu dinheiro na hora do licor. Minha mulher nada pediu, nós tínhamos conta bancária conjunta.
Vamos dar uma volta de carro?, convidei. Eu sabia que ela não ia, era hora da novela. Não sei que graça você acha em passear de carro todas as noites, também aquele carro custou uma fortuna, tem que ser usado, eu é que cada vez me apego menos aos bens materiais, minha mulher respondeu.
Os carros dos meninos bloqueavam a porta da garagem, impedindo que eu tirasse o meu carro. Tirei o carro dos dois, botei na rua, tirei o meu e botei na rua, coloquei os dois carros novamente na garagem, fechei a porta, essas manobras todas me deixaram levemente irritado, mas ao ver os para-choques salientes do meu carro, o reforço especial duplo de aço cromado, senti o coração bater apressado de euforia. Enfiei a chave na ignição, era um motor poderoso que gerava a sua força em silêncio, escondido no capô aerodinâmico. Saí, como sempre sem saber para onde ir, tinha que ser uma rua deserta, nesta cidade que tem mais gente do que moscas. Na Avenida Brasil, ali não podia ser, muito movimento. Cheguei numa rua mal iluminada, cheia de árvores escuras, o lugar ideal. Homem ou mulher? Realmente não fazia grande diferença, mas não aparecia ninguém em condições, comecei a ficar tenso, isso sempre acontecia, eu até gostava, o alívio era maior. Então vi a mulher, podia ser ela, ainda que mulher fosse menos emocionante, por ser mail fácil. Ela caminhava apressadamente, carregando um embrulho de papel ordinário, coisas de padaria ou quitanda, estava de saia e blusa, andava depressa, havia árvores na calçada, de vinte em vinte metros, um interessante problema a exigir uma grande dose de perícia. Apaguei as luzes do carro e acelerei. Ela só percebeu que eu ia para cima dela quando ouviu o som das borrachas dos pneus batendo no meio-fio. Pequei a mulher acima dos joelhos, bem no meio das duas pernas, um pouco mais sobre a esquerda, um golpe perfeito, ouvi o barulho do impacto partindo os dois ossões, dei uma guinada rápida para a esquerda, passei como um foguete rente a uma das árvores e deslizei com os pneus cantando, de volta para o asfalto. Motor bom, o meu, ia de zero a cem quilômetros em onze segundos. Ainda deu para ver que o corpo todo desengonçado da mulher havia ido parar, colorido de vermelho, em cima de um muro, desses baixinhos de casa de subúrbio.
Examinei o carro na garagem. Corri orgulhosamente a mão de leve pelos para-lamas, os para-choques sem marca. Poucas pessoas, no mundo inteiro, igualavam a minha habilidade no uso daquelas máquinas.
A família estava vendo televisão. Deu a sua voltinha, agora está mais calmo?, perguntou minha mulher, deitada no sofá, olhando fixamente o vídeo. Vou dormir, boa noite para todos, respondi, amanhã vou ter um dia terrível na companhia.
FONSECA, Rubem. In: Contos Reunidos. São Paulo: Cia. Das Letras, 1994, p. 36
Exemplo de Fábula:
Era uma vez uma cigarra que vivia saltitando e cantando pelo bosque, sem se preocupar com o futuro. Esbarrando numa formiguinha, que carregava uma folha pesada, perguntou:
– Ei, formiguinha, para que todo esse trabalho? O verão é para gente aproveitar! O verão é para gente se divertir!
– Não, não, não! Nós, formigas, não temos tempo para diversão. É preciso trabalhar agora para guardar comida para o inverno.
Durante o verão, a cigarra continuou se divertindo e passeando por todo o bosque. Quando tinha fome, era só pegar uma folha e comer.
Um belo dia, passou de novo perto da formiguinha carregando outra pesada folha.
A cigarra então aconselhou:
– Deixa esse trabalho para as outras! Vamos nos divertir. Vamos, formiguinha, vamos cantar! Vamos dançar!
A formiguinha gostou da sugestão. Ela resolveu ver a vida que a cigarra levava e ficou encantada. Resolveu viver também como sua amiga.
Mas, no dia seguinte, apareceu a rainha do formigueiro e, ao vê-la se divertindo, olhou feio para ela e ordenou que voltasse ao trabalho. Tinha terminado a vidinha boa.
A rainha das formigas falou então para a cigarra:
– Se não mudar de vida, no inverno você há de se arrepender, cigarra! Vai passar fome e frio.
A cigarra nem ligou, fez uma reverência para rainha e comentou:
– Hum!! O inverno ainda está longe, querida!
Para cigarra, o que importava era aproveitar a vida, e aproveitar o hoje, sem pensar no amanhã. Para que construir um abrigo? Para que armazenar alimento? Pura perda de tempo.
Certo dia o inverno chegou, e a cigarra começou a tiritar de frio. Sentia seu corpo gelado e não tinha o que comer. Desesperada, foi bater na casa da formiga.
Abrindo a porta, a formiga viu na sua frente a cigarra quase morta de frio.
Puxou-a para dentro, agasalhou-a e deu-lhe uma sopa bem quente e deliciosa.
Naquela hora, apareceu a rainha das formigas que disse à cigarra: – No mundo das formigas, todos trabalham e se você quiser ficar conosco, cumpra o seu dever: toque e cante para nós.
Para cigarra e paras formigas, aquele foi o inverno mais feliz das suas vidas.