Descrever é apresentar elementos de um determinado referente – ser animado ou inanimado, local, cena ou processo – com o intuito de localizá-lo, identificá-lo ou qualificá-lo, segundo os objetivos do texto.
Vale a pena ressaltar, meu aluno, que a descrição pode apresentar uma característica objetiva ou subjetiva. Esta é baseada principalmente na opinião do autor, ou seja, o observador descreve como ele vê, e não como é na realidade. Aquela, entretanto, trabalha com a linguagem denotativa, ou seja, as palavras no seu sentido real, primário, não figurado.
A descrição pode apresentar, meu aluno, não apenas a rigorosa observação ou a limitação física/intelectual do observador, mas também a projeção do seu estado de alma sobre o elemento que está sendo descrito. Isso quer dizer que a descrição pode apresentar características físicas ou psicológicas. No romance São Bernardo, de Graciliano Ramos, por exemplo, o personagem narrador, um rude coronel do interior, só tinha olhos para o lado material da vida, e cada vez que descrevia sua fazenda, ele só destacava aspectos econômicos da paisagem; entretanto, um dia ele se apaixonou por uma mulher chamada Madalena, e, a partir daí, ao observar a paisagem de sua fazenda, a mesma que sempre observava apenas na perspectiva econômica e material, descreve-a de maneira poética e colorida, como sua alma, no sentimento inédito do amor que estava vivenciando. Vejamos:
Exemplo:
“Casou-nos o padre Silvestre na capela de São Bernardo, diante do altar de São Pedro. Estávamos em fins de janeiro. Os paus-d’arco, floridos, salpicavam a mata de pontos amarelos; de manhã a serra cachimbava, o riacho, depois das últimas trovoadas, cantava grosso, bancando rio, e a cascata em que se desempenha, antes de entrar no açude, enfeitava-se de espuma.”
NARRAÇÃO x DESCRIÇÃO
Já sabemos que a narração centraliza seus interesses nas ações sequencialmente dispostas e que a descrição focaliza um objeto, um ser ou um processo. Existem trechos descritivos “puros”, como as listas, e existem as descrições que aparecem inseridas em outros modos textuais, como no caso das narrações. Vejamos um trecho de Graciliano Ramos:
Exemplo:
“Entreabriu a porta, mergulhou na faixa de luz que passou pela fresta, correu o trinco devagarinho. Avançou, temendo esbarrar nos móveis. Acostumado a vista, começou a distinguir manchas: cadeiras baixas e enormes, que atravancavam a saleta. Escorregou para uma delas, o coração aos baques, o fôlego curto. Afundou no assento gasto. As rótulas estalaram, as molas do traste rangeram levemente. Ergueu-se precipitado, encostou-se à parede, com receio de vergar os joelhos. Se as juntas fizessem barulho, os moradores iriam acordar, prendê-lo. Achou-se fraco, sem coragem para fugir ou defender-se. Acendeu a lâmpada e logo se arrependeu. O círculo de luz passeou no assoalho, subiu numa cadeira e sumiu-se. A escuridão voltou. Temeridade acender a lâmpada.” (Graciliano Ramos)
É possível perceber, meu aluno, que o fragmento acima é claramente um texto narrativo, pois notamos, nas primeiras frases, uma das características básicas desse modo de organização discursiva: a sequência de ações em ordem cronológica, marcada pela sucessão de fatos indicadas pelas formas verbais entreabriu, mergulhou, correu, avançou… Há, em seguida, um quebra do texto narrativo pelo segmento descritivo cadeiras baixas e enormes, que atravancavam a saleta, com características bem distintas, depois do qual se retorna ao narrativo, com a forma verbal escorregou.
ELEMENTOS DA DESCRIÇÃO
Todo texto descritivo apresenta alguns elementos fundamentais:
- Formação de uma imagem
- Um observador
- Um tema-núcleo (objeto, ser, paisagem, situação, etc.)
- Um conjunto de dados pertinentes ao tema-núcleo (substantivos e adjetivos principalmente)
- Exploração dos cinco sentidos sensoriais
DESCRIÇÃO DE UM OBJETO
Quando se trata de um objeto, a descrição é normalmente estática e com finalidade de identificação. Vejamos:
Exemplo:
“Era uma caçada. No primeiro plano, estava o caçador de arco retesado, apontando para uma touceira espessa. Num plano mais profundo, o segundo caçador espreitava por entre as árvores do bosque, mas esta era apenas uma vaga silhueta, cujo rosto se reduzira a um esmaecido contorno. Poderoso, absoluto era o primeiro caçador, a barba violenta como um bolo de serpentes, os músculos tensos, à espera de que a caça levantasse para desferir-lhe a seta.”
DESCRIÇÃO DE UM SER HUMANO
A descrição de uma pessoa pode se ser física, psíquica ou físico-psíquica.
Física
Exemplo: “Zeca era pequeno, tez baça e magríssimo. Nunca vi ninguém mais magro. Magro assim, só quem está nas últimas. Mas o Zeca era magro assim e tinha um porte, uma vivacidade de rapaz com perfeita saúde. Esse contraste era coisa surpreendente.”
Psíquica
Exemplo: “O dono do pequeno restaurante é amável, sem derrame, e a fregueses mais antigos costuma oferecer, antes do menu, o jornal do dia “facilitado”, isto é, com traços vermelhos cercando as notícias importantes. Vez por outra, indaga se a comida está boa, oferece cigarrinho, queixa-se do resfriado crônico e pergunta pelo nosso…”
Físico-psíquica
Exemplo: “Ar de empregada ela não tinha: era uma velha mirrada, muito bem arranjadinha, mangas compridas, cabelos em bandó num vago ar de camafeu – e usava mesmo um, fechando-lhe o vestido ao pescoço.”
DESCRIÇÃO DE UMA CENA
A descrição de uma cena apresenta uma sequência de fatos, porém não em ordem cronológica. Essas ações acontecem de forma simultânea. Cuidado para não confundir com a narração.
Exemplos:
“Enquanto o professor dava a sua aula, os alunos da primeira fileira prestavam atenção; os alunos da fileira intermediária dormiam e os alunos da última fileira conversavam muito.”
“O apartamento ficava no quinto andar e a saleta tinha só uma janela. Como as demais, os vidros estavam trincados e os caixilhos apodrecidos. Dali, se quisesse, poderia recrear a vista com uma nesga verde entre altos edifícios, onde voejavam pombos. Ou então, debruçado ver lá embaixo no pátio, o senhor gordo e calvo andando, de cá pra lá, de lá pra cá, em exercício para emagrecer. Mas, olhos sempre voltados para dentro de si mesmo e para os livros, o professor não pensou na nesga verde, nos pombos voejando, no senhor gordo e calvo em seu vaivém no pátio. (Orlando Bastos. Bombons dietéticos)”
DESCRIÇÃO DE UMA PAISAGEM
Muitas vezes, meu aluno, a descrição de uma paisagem tem por finalidade identificar ou localizar.
Exemplo:
“Da janela de seu quarto podia ver o mar. Estava calmo e, por isso, parecia até mais azul. A maresia inundava seu cantinho de descanso e arrepiava seu corpo…estava muito frio, ela sentia, mas não queria fechar a entrada daquela sensação boa. Ao norte, a ilha que mais gostava de ir, era só um pedacinho de terra iluminado pelos últimos raios solares do final daquela tarde; estava longe…longe! Não sabia como agradecer a Deus, morava em um paraíso!”
EXPLORAÇÃO DOS CINCO SENTIDOS SENSORIAIS
Gustativos
Exemplo: “Deitado, ele beliscou dois ou três grãos. Chupou o sumo azedo, deixou cair a casca no prato. Apanhou outro bago, mais doce.”
Auditivos
Exemplo: “De uma mesa distante no restaurante, a única ocupada ainda, vinha o ruído de vozes de homens. Uma gargalhada rebentou sonora em meio de vozes exaltadas. E a palavra cabrito saltou dentre as outras que se arrastavam pastosas”. (Lygia Fagundes Telles, A ceia)
Olfativos
Exemplo: “Nas barcas, os armazéns tresandavam a lixo e peixe podre, a latas vazias de óleo, como cheiro de homens esfarrapados”. (Autran Dourado, A barca dos homens)
Tácteis
Exemplo: “O pai comprou o sapato de couro áspero, dois números maiores (….) Enfiou no pé frio o sapato branco de tênis. Ao pentear-lhe o loiro cabelo, a cabeça ainda em fogo”. (Dalton Trevisan, Pedrinho)
Visuais
Exemplo: “A dona era uma velha balofa, de peruca mais negra que a asa da graúna. Vestia um pijama desbotado de seda japonesa e tinha as unhas aduncas recobertas por uma crosta de esmalte vermelho-escuro, descascado nas pontas encardidas”. (Lygia Fagundes Telles, As formigas)
Quando os dados não são obtidos por sentidos sensoriais, mas por nossas capacidades intelectuais, os dados selecionados estarão incluídos dentro de cada campo do conhecimento: artístico, científico, religioso, moral, político, literário, etc.