AS CULTURAS INDÍGENAS
É importante ressaltar que no território da América portuguesa não havia grandes impérios ou confederações nativas como os que existiam na América espanhola. Isto porque os povos originários do Novo Mundo não formavam um grupo homogêneo, com características linguísticas e culturais semelhantes. Ao contrário do que se imagina, existiram vários grupos que apresentavam hábitos e costumes muito variados.
Apesar das diferenças linguísticas, os nativos que habitavam o litoral brasílico eram em sua maioria do povo tupi-guarani. Muitos grupos eram nômades, vivendo da caça, da pesca e da coleta de frutas. Porém, outros povos tinham se sedentarizado, vivendo da agricultura. Os povos do tronco tupi-guarani eram donos de técnicas simples e com atividades econômicas limitadas à subsistência. As aldeias eram compostas por uma população de quinhentos até dois ou três mil índios, que eram abrigados em malocas.
A composição da família era variável, mas os homens, quando se casavam, iam viver no local de residência da esposa, apesar de existir os que não seguiam essa regra. Os guerreiros podiam ter várias mulheres, devido ao prestígio que desfrutavam. Para ser chefe entre os tupis era preciso protagonizar proezas nas guerras, ou seja, aquele que mais aprisionou e massacrou inimigos e o que possuía maior família. Isso mostra como a guerra era um elemento fundamental para a constituição da sociedade tupi, uma vez que, tornando-se um guerreiro, o ameríndio conseguia obter prestígio. Esse reconhecimento não se restringia apenas à aldeia onde vivia o guerreiro: ele era conhecido tanto nas aldeias aliadas quanto nas inimigas.
Existiam entre as aldeias jogos de aliança ou de guerra. Assim, elas poderiam manter relações pacíficas, auxiliando-se na defesa do território, reunindo-se para expedições guerreiras de grande porte, além de participando de rituais comuns, como na execução de um inimigo. Mas, poderiam também manter relações marcadas pela guerra. Devido a essas relações de inimizade é que alguns ameríndios se aliaram aos colonizadores portugueses. Porém, essa guerra não tinha como intuito conservar ou estender os limites dos territórios indígenas nem o enriquecimento, mas era marcada pelos sentimentos de honra e de vingança. O principal objetivo das expedições guerreiras era trazer cativos para serem executados e devorados. Após a captura, o ameríndio preso passava a viver na residência do seu captor, que lhe cedia uma irmã ou filha como esposa. Ele deveria ser mostrado aos parentes e amigos, circulava pelas aldeias circunvizinhas, e quando decidiam, enfim, executá-lo, seus captores convidavam os membros das aldeias aliadas para participarem do chamado ritual antropofágico. Todos comiam pedaços do inimigo, a fim de adquirirem as virtudes guerreiras do prisioneiro.
Os ameríndios dos territórios brasílicos também acreditavam na existência de uma terra-sem-mal, lugar de abundância, de ausência de trabalho, de imortalidade. Ela era o destino individual dos matadores, daqueles que deixavam memória pela façanha guerreira. Era sobre este mundo que os grandes pajés falavam. Esses homens exerciam sobre os ameríndios uma liderança espiritual e não se opunham à chefia exercida pelos guerreiros, operada no plano físico da guerra e da vingança.

Preparo da carne humana em episódio canibal, de Theodor de Bry, com base nos desenhos de Hans Staden, de 1557. Uma representação de nativos americanos com feições europeias no século XVI.
Disponível em: https://docs.ufpr.br/~coorhis/cleverton/imagens.html
A mulher tinha um papel muito importante na dinâmica das sociedades tupi. Ela era responsável por várias tarefas, como, por exemplo, a de manutenção das roças de mandioca, batata-doce, abóbora, milho, etc. Era da roça que as mulheres tiravam a base da alimentação indígena. O homem, porém, ficava responsável pela caça e pela pesca dos animais que iriam complementar a alimentação da aldeia. Era também tarefa deles a obtenção de lenha para o fogo, além de serem responsáveis pela abertura das áreas agricultáveis. Percebe-se, assim, a importância tanto do trabalho feminino quanto do masculino na cultura ameríndia.
Entendendo a cultura de um povo como um código simbólico compartilhado por um mesmo grupo social, as sociedades indígenas não separavam, na sua experiência coletiva, a produção de um objeto da cultura material da produção artística, como costumamos fazer em nossa visão ocidental. Nas culturas indígenas, todo objeto, seja utilitário, ornamental ou ritual, é também um objeto de arte, pois está plenamente integrado em todos os campos da ação humana. Uma rede, uma casa, um banco, um cesto e uma panela são bons e belos se realizados dentro dos parâmetros compartilhados por todos os indivíduos daquela sociedade.
Uma grande parte dos rituais realizados pelos diversos grupos indígenas do Brasil pode ser classificada como ritos de passagem. Esses ritos são as cerimônias que marcam a mudança de um indivíduo ou de um grupo de uma situação social para outra. Como exemplo, podemos citar aqueles relacionados à mudança das estações, aos ritos de iniciação, aos ritos matrimoniais, aos funerais e outros, como a gestação e o nascimento.
Assim, as cosmologias ameríndias representavam modelos complexos que expressavam suas concepções a respeito da origem do Universo e de todas as coisas que existem no mundo. Portanto, as diversas sociedades indígenas elaboravam suas próprias explicações a respeito do mundo, dos fenômenos da natureza, dos espíritos, dos seres sobrenaturais e, também, do momento em que surgiram os seus ancestrais. Portanto, podemos afirmar que grande parte dos povos originários do Brasil eram politeístas (crença em vários deuses) e animistas (associação entre divindades e fenômenos naturais).

Dança de guerra em ritual religioso dos índios tupinambás. Gravura de Ferdinand Denis, de 1846. Domínio público, Biblioteca Nacional Digital
Disponível em: http://www.multirio.rj.gov.br/index.php/estude/historia-do-brasil/ america-portuguesa/79-as-feitorias-e-a-coloniza%C3%A7%C3%A3o-acidental/8724-o-%C3%ADndio-no-imagin%C3%A1rio-portugu%C3%AAs