Iniciaremos, a partir deste módulo, um estudo histórico-literário da literatura brasileira. Para isso, serão apresentados, desde os primeiros, textos escritos em nosso território até a produção feita no século XX. Porém, faz-se necessário entender, primeiramente, que a literatura nacional tem sua história dividida em duas grandes eras, que acompanham a evolução política e econômica do país: a Era Colonial e a Era Nacional.
A Era Colonial ocorre entre 1500 e 1808. Isso significa dizer que os textos analisados no período citado reproduzem modelos europeus de estilo e de escrita já que éramos um território conquistado pelos portugueses. O período colonial pode ser entendido da seguinte forma:
QUINHENTISMO
INTRODUÇÃO
Chamamos de Quinhentismo a denominação genérica de todas as manifestações das Letras ocorridas no Brasil durante o século XVI, correspondendo à introdução da cultura europeia em terras brasileiras. Ainda não se pode falar em literatura do Brasil, pois não existia uma cosmovisão do homem brasileiro e, junto a isso, não havia o conceito de literatura. Durante o período colonial ainda não existia um público leitor ativo e influente, grupos de escritores atuantes, vida cultural intensa e rica, sentimento de nacionalidade, liberdade de expressão, imprensa e gráficas. Dessa forma, espelhando diretamente o momento histórico vivido pela Península Ibérica, temos uma escrita informativa e uma escrita dos jesuítas. Quem escrevia no período estava com os olhos voltados para as riquezas materiais (ouro, prata, ferro, madeira, por exemplo), enquanto os jesuítas preocupavam-se com o trabalho de catequese.
Com exceção da carta de Pero Vaz de Caminha, considerada o primeiro documento da literatura no Brasil, as principais crônicas da literatura informativa datam da segunda metade do século XVI, fato compreensível, já que a colonização só pode ser contada a partir de 1530.
A PRODUÇÃO DE TEXTOS INFORMATIVOS
A escrita informativa, também chamada de literatura dos viajantes ou dos cronistas, reflexo das grandes navegações, empenha-se em fazer um levantamento da terra nova, de sua flora, de sua fauna e de sua gente. É, portanto, uma literatura meramente descritiva e, como tal, sem grande valor literário.
A principal característica dessa manifestação é a exaltação da terra, resultante do assombro do europeu que vinha de um mundo temperado e se defrontava com o exotismo e a exuberância de um mundo tropical. Com relação à linguagem, o louvor à terra aparece no uso exagerado de adjetivos, quase sempre empregados no superlativo. O melhor exemplo da escola quinhentista brasileira é Pero Vaz de Caminha. Sua “Carta a El Rei Dom Manuel sobre o achamento do Brasil”, além do inestimável valor histórico, é um trabalho de bom nível literário. O texto da carta mostra claramente o duplo objetivo que, segundo Caminha, impulsionava os portugueses para as aventuras marítimas, isto é, a conquista dos bens materiais e a expansão da fé cristã.
Acompanhe o fragmento do documento redigido por Caminha e entenda melhor.
“Senhor:
Posto que o Capitão-mor desta vossa frota, e assim os outros capitães escrevam a Vossa Alteza a nova do achamento desta vossa terra nova, que ora nesta navegação se achou, não deixarei também de dar disso minha conta a Vossa Alteza, assim como eu melhor puder, ainda que — para o bem contar e falar — o saiba pior que todos fazer.
(…)
Dali avistamos homens que andavam pela praia, obra de sete ou oito, segundo disseram os navios pequenos, por chegarem primeiro.
(…)
Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Nas mãos traziam arcos com suas setas. Vinham todos rijos sobre o batel; e Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os pousaram”.
(Disponível em: http://objdigital.bn.br/Acervo_Digital/Livros_eletronicos/carta.pdf)
A ESCRITA DOS JESUÍTAS
A principal preocupação dos jesuítas era expandir o pensamento católico por meio do trabalho de catequese, objetivo que determinou toda a sua produção literária tanto na poesia quanto no teatro. Mesmo assim, do ponto de vista estético, foi a melhor produção literária do Quinhentismo brasileiro. Além da poesia de devoção, os jesuítas cultivaram o teatro de caráter pedagógico, baseado em trechos bíblicos, e as cartas que informavam aos superiores na Europa sobre o andamento dos trabalhos na colônia.
Dentre os religiosos que aqui estiveram, José de Anchieta merece destaque. O religioso escreveu vários tipos de textos com finalidades pedagógicas, como poemas, hinos, canções e autos (gênero teatral originado na Idade Média), além de diversas cartas que informavam sobre o processo de catequese no Brasil e de uma gramática da língua tupi. Anchieta não seguia as novidades de conteúdo e de forma trazidas pelo Renascimento, inspirava-se em modelos medievais, fazendo uso da medida velha (redondilha), como exemplificam o fragmento do poema:
Cordeirinha linda
como folga o povo
porque vossa vinda
lhe dá lume novo!
Cordeirinha santa,
de Jesus querida,
vossa santa vida
o diabo espanta.
Por isso vos canta
com prazer o povo
porque vossa vinda
lhe dá lume novo.
(…)
(A Santa Inês – José de Anchieta)
BARROCO
INTRODUÇÃO
Em Portugal, o Barroco inicia-se em 1580 com a unificação da Península Ibérica. Por isso, há forte influência espanhola na construção artística da época. No Brasil, o Barroco tem seu marco em 1601 com a publicação do poema épico Prosopopeia de Bento Teixeira. Estende-se por todo o século XVII e início do século XVIII.
A estética perde a força apenas com a publicação de Obras de Cláudio Manuel da Costa e com a fundação da Arcádia Ultramarina em 1768.
PANORAMA HISTÓRICO
O principal evento histórico atrelado ao surgimento do Barroco é a Contrarreforma. A fim de conter o pensamento reformista de Martinho Lutero e João Calvino, realizou-se o Concílio de Trento (1545 – 1563). Todo o corpo das doutrinas católicas foi discutido à luz das críticas da doutrina protestante. Por fim, diversas medidas foram criadas para conter o avanço do pensamento protestante. Restabeleceram-se, assim, normas doutrinais e morais rígidas.
Por conta de tantos conflitos, o fazer artístico também foi usado como forma de reforçar a ideologia da Igreja Católica. Como a religião transformara-se de novo em elemento primordial da vida individual e coletiva, o Barroco tornou-se, nos países católicos, a arte da Contrarreforma.
O homem, que vive neste momento, embora tenha tido contato com a perspectiva libertária do Renascimento, é sufocado pelas imposições da Igreja. Por estar acuado, assume diante da vida atitudes duplas e contraditórias, procurando conciliar o antropocentrismo renascentista com o teocentrismo. Isso caracteriza o dualismo existencial dessa arte.
CARACTERÍSTICAS
O estilo barroco nasceu da crise dos valores renascentistas, ocasionada pelas lutas religiosas e pela dificuldade econômica decorrente da falência do comércio com o Oriente. O homem, como dito anteriormente, vivia um estado de tensão do qual tentou evadirse pelo culto exagerado da forma, sobrecarregando a poesia de figuras de linguagem. Trata-se, portanto, de um texto com intensa elaboração formal no qual as ideias são apresentadas de forma complexa. Podemos notar dois estilos: o cultismo e o conceptismo.
CULTISMO (GONGORISMO)
É a linguagem rebuscada, culta e extravagante. Os autores fazem difíceis construções no plano fonético, sintático, semântico e morfológico. Além disso, exploram efeitos sensoriais tais como cor, forma, tom, volume, sonoridade, imagens violentas e fantasiosas, recursos que sugerem, então, a ultrapassagem dos limites da realidade.
CONCEPTISMO (QUEVEDISMO)
A palavra vem do espanhol “concepto” que significa “ideia”. É o jogo de ideias, formado por meio das sutilezas do raciocínio e do pensamento lógico (dedução, indução, analogia, por exemplo). Explora-se a esfera argumentativa de um texto, objetivando a comprovação de uma tese.
De uma maneira geral, é mais comum o Cultismo aparecer na poesia, e o Conceptismo na prosa, porém, é perfeitamente possível aparecerem ambos em um mesmo texto.
A PRODUÇÃO NACIONAL
Por ser colônia de Portugal, o Brasil produziu escritos que refletiam uma cosmovisão europeia. Por isso, muitos autores não entendem o Barroco como um movimento que expressa a Literatura Brasileira. Entre os nomes da época, destacam-se Gregório de Matos e Antônio Vieira.
GREGÓRIO DE MATOS
Embora o nome de Gregório de Matos esteja vinculado à poesia barroca, boa parte dos textos vinculados ao autor não foram escritos por ele. Atribui-se ao autor uma vasta obra que envolve poemas satíricos, amorosos, eróticos e sacros.
PADRE ANTÔNIO VIEIRA
Antônio Vieira (1608-1697) é o principal representante do barroco português. Sua obra pertence tanto à literatura brasileira quanto à portuguesa. Vieira veio com a família para o Brasil quando tinha sete anos. Na Bahia, teve contato com a congregação da Ordem de Jesus, iniciando seu noviciado aos 15 anos. A maior parte de sua obra foi escrita no Brasil e está relacionada com diversas atividades que o autor desempenhou como religioso, como conselheiro de D. João IV, rei de Portugal, ou como mediador e representante de Portugal em relações econômicas e políticas com outros países.
Embora Vieira fosse padre, nunca teve uma atuação puramente voltada para as questões religiosas, pelo contrário, este sempre colocou seus sermões a serviço das causas políticas, o que causou sua indisposição com muita gente, principalmente entre os colonos que escravizavam os índios, os pequenos comerciantes e até mesmo com a Inquisição.
A fim de aprofundar os seus conhecimentos, leia o poema a seguir atribuído a Gregório de Matos.
Quando Deus redimiu da tirania
Da mão do Faraó endurecido
O Povo Hebreu amado, e esclarecido,
Páscoa ficou da redenção o dia.
Páscoa de flores, dia de alegria
Àquele povo foi tão afligido
O dia, em que por Deus foi redimido;
Ergo sois vós, Senhor, Deus da Bahia.
Pois mandado pela Alta Majestade
Nos remiu de tão triste cativeiro,
Nos livrou de tão vil calamidade.
Quem pode ser senão um verdadeiro
Deus, que veio estirpar desta cidade
o Faraó do povo brasileiro.
(DAMASCENO, D. Melhores poemas: Gregório de Matos. São Paulo: 2006)
Gregório de Matos tornou-se famoso pelos textos de cunho crítico, escritos para satirizar figuras de autoridade de sua época. No poema, é possível notar uma intertextualidade clara com as Sagradas Escrituras, já que o autor estabeleceu uma analogia entre o faraó e o governador da Bahia.