O século XIX configurou-se como um período muito criativo para as artes nacionais. Vimos, ao longo dos módulos, as transformações ocorridas nos romances publicados no Brasil. Agora, estudaremos as manifestações artísticas no campo da poesia na segunda metade desse século.
INTRODUÇÃO
O movimento parnasiano surgiu na França em 1866, com a edição da antologia Le Parnasse Contem – porain. Na década de 1870, quando o Parnasianismo começou a ser difundido como nova estética literária no Brasil, o país atravessava uma série de crises políticas e sociais que assinalariam o colapso do governo imperial e do regime escravocrata, culminando na abolição da escravatura, em 1888, e na proclamação da República, em 1889. O desenvolvimento econômico, que até meados do século XIX se concentrara no Nordeste, a partir dos anos de 1870 passou a deslocar-se para o Centro-Sul, onde a cultura do café começava a expandir-se. O único grande centro urbano do Brasil, ainda essencialmente agrícola, era o Rio de Janeiro, onde se concentrava a vida política e cultural do país. Contudo, foram intelectuais de Recife ligados à Faculdade de Direito, entre eles Sílvio Romero e Tobias Barreto, os primeiros a divulgar as novas ideias literárias, filosóficas e políticas que passariam a influenciar o pensamento dos escritores nacionais.
A elite brasileira recebia, principalmente através da França, as idéias republicanas, positivistas e evolucionistas que agitavam os meios intelectuais europeus, além das descobertas de novas ciências como a física, a lingüística e a biologia. O grande veículo de difusão das novas teorias, inclusive literárias, eram os inúmeros periódicos surgidos com o desenvolvimento da imprensa nacional. Foi nas páginas do jornal Diário do Rio de Janeiro que, no final da década de 1870, travou-se a Batalha do Parnaso, polêmica entre os adeptos do Romantismo, de um lado, e os seguidores do Realismo e do Parnasianismo, de outro, que serviu para tornar mais conhecidas as novas tendências literárias.
CARACTERÍSTICAS GERAIS
O Parnasianismo remete-nos ao mesmo contexto histórico-cultural do Realismo e do Naturalismo e compartilha, com esses dois movimentos, de alguns ideais e de algumas atitudes: a negação do subjetivismo, a postura antirromântica e a luta contra “o uso profissional e imoderado das lágrimas”.
Sintetizada na forma latina ars gratia artis (arte pela arte), a poesia parnasiana propõe que a beleza formal justifica a existência do poema e que a arte deve se preocupar apenas com o belo, com a perfeição formal. Os parnasianos impõem uma atitude de distanciamento da vida, de afastamento do cotidiano, de alienação dos problemas do mundo, de desprezo pela plebe e pelas aspirações populares e de recusa a temas vulgares. Assim, os parnasianos se fecham em suas “torres de marfim”, entregues ao puro fazer poético. Tal postura resultou em acentuada preocupação com a versificação e a metrificação, pois se acreditava que a Beleza residia também na forma. O trabalho do poeta foi, inclusive, comparado ao do escultor, do ourives, do artesão, já que seu esforço concentrava-se em dar forma perfeita a um objeto artístico.
Os poetas parnasianos opunham-se ao individualismo, ao sentimentalismo e ao subjetivismo românticos, e procuraram voltar sua poesia para temas que consideravam mais universais, como a natureza, a história, o amor, os objetos inanimados, além da própria poesia. Essa poética da impessoalidade era reforçada pelo gosto da descrição e do rigor formal.
Os versos brancos do Romantismo foram abandonados e retomou-se o uso dos versos de 10 sílabas e das rimas ricas e raras, num movimento de aproximação da tradição clássica. A procura da expressão perfeita e original de determinada ideai ou sentimento levou à valorização do conhecimento da língua, necessário para fugir das imagens gastas e vulgarizadas da estética romântica. A utilização de vocabulário culto, como tentativa de renovação da linguagem poética, é, desse modo, outro traço característico do Parnasianismo. Olavo Bilac, em Língua Portuguesa, expressa o amor parnasiano ao idioma nacional.
Centrados no puro fazer poético, os parnasianos instauram o materialismo da forma. A palavra é trabalhada como matéria-prima, que deve ser lapidada, burilada, cinzelada. A poesia deve ser fruto do esforço intelectual, da elaboração. Por isso, os parnasianos, exímios conhecedores da língua, são “poetas de dicionário”, obcecados pela correção gramatical, pela pureza da linguagem, pela vernaculidade, pela seleção vocabular.
Há, neste movimento, grande preocupação com a utilização de rimas ricas, raras e preciosas, além da preferência pelos versos alexandrinos (12 sílabas métricas). Os poetas retomam o uso do soneto (abandonado pelos românticos) e usam estruturas sintáticas mais rebuscadas na criação de versos (hipérbatos e cavalgamentos, por exemplo).
A PRODUÇÃO NACIONAL
Os autores mais significativos do Parnasianismo foram Alberto de Oliveira, Olavo Bilac e Raimundo Correia, considerados a “tríade oficial” do movimento, além de Vicente de Carvalho e Francisca Júlia. A poesia de Alberto de Oliveira é considerada a mais fiel aos valores do Parnasianismo; nela, a impessoalidade, o descritivismo, a tematização de objetos são elementos presentes.
Olavo Bilac, um dos mais populares poetas brasileiros, buscou e alcançou o rigor da forma, mas o lirismo e o sensualismo de seus versos muitas vezes o afastaram dos princípios mais rígidos do Parnasianismo. Raimundo Correia estreou como romântico, mas tornou-se parnasiano, intensamente influenciado por autores franceses e criador de uma poesia filosófica, reflexiva, distinta pelo pessimismo.
Leia com atenção o poema a seguir de Olavo Bilac para entender as principais características da estética parnasiana.
A UM POETA
Longe do estéril turbilhão da rua,
Beneditino, escreve! No aconchego
do claustro, no silêncio e no sossego.
Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua!
Mas que na forma se disfarce o emprego
Do esforço; e a trama viva se construa
De tal modo, que a imagem fique nua,
Rica, mas sóbria, como um templo grego.
Não se mostre na fábrica o suplício
Do mestre. E, natural, o efeito agrade,
Sem lembrar os andaimes do edifício:
Porque a Beleza, gêmea da Verdade,
Arte pura, inimiga do artifício,
É a força e a graça na simplicidade.
Na primeira estrofe, nota-se um ideal marcante para os escritores parnasianos: o afastamento social. Para esses artistas, a arte não deveria se aproximar de assuntos da sociedade, por isso, a poeta Beneditino escreve no claustro como se fosse um monge. Além disso, a escolha do soneto e a presença de rimas ricas e raras evidenciam a grande preocupação formal.