O Naturalismo teve a sua emergência similar ao Realismo1, em um contexto em que a ciência, as máquinas, as revoluções sociais pediam aos artistas que a engenhosidade artística fosse tomada como engajamento social no trato com os dados da realidade.
Entretanto, pode-se dizer que a proposta naturalista é radicalizar o retrato da realidade, segundo a proposição de que o meio determina o indivíduo. É preciso dizer que as situações romanescas incorporavam na forma narrativa a tese de que o meio social determina o individual, como influência do determinismo científico2 peculiar na época.
A tese do determinismo acompanha ainda a visão darwinista do homem como animal e encara o seu processo social como seleção natural do mais forte sobre o mais fraco, incorrendo em uma animalização do homem; ponto de vista esse que também será ratificado no romance naturalista em forma de “romance experimental”.3
No Brasil, o marco naturalista se dá pela obra do escritor Aluísio Azevedo, a partir da publicação de O mulato (1881) e da obra O cortiço que o consagra. Ademais, outros autores acompanharam a corrente naturalista, como Adolfo Caminha (A normalista, O bom crioulo) também popular à época, Figueiredo Pimentel (O aborto) e Júlio Ribeiro (A carne).
Notas:
1Inclusive o marco do realismo nacional com o romance M. P. de Brás Cubas em 1881 ocorre paralelamente ao marco do naturalismo francês com a publicação de Émile Zola do livro Germinal, em mesma data.
2O determinismo é uma corrente filosófica proposta por Hippolyte Taine e tem por premissa fundamental que o indivíduo é efeito da raça, do meio em que vive e do contexto histórico em que estão inseridos.
3Romance que procura comprovar de forma impessoal e objetiva, com preferência pela terceira pessoa, uma tese determinística por meio da imaginação narrativa.
CARACTERÍSTICAS GERAIS DO NATURALISMO
Para entender de forma mais ampla a estética naturalista, observe o fragmento retirado de O cortiço.
“Passaram-se semanas. Jerônimo tomava agora, todas as manhãs, uma xícara de café bem grosso, à moda da Ritinha, e tragava dois dedos de parati ‘pra cortar a friagem’.
Uma transformação, lenta e profunda, operava-se nele, dia a dia, hora a hora, reviscerando-lhe o corpo e alando-lhe os sentidos, num trabalho misterioso e surdo de crisálida. A sua energia afrouxava lentamente: fazia-se contemplativo e amoroso. A vida americana e a natureza do Brasil patenteavam-lhe agora aspectos imprevistos e sedutores que o comoviam; esquecia-se dos seus primitivos sonhos de ambição; para idealizar felicidades novas, picantes e violentas; tornava-se liberal, imprevidente e franco, mais amigo de gastar que de guardar; adquiria desejos, tomava gosto aos prazeres, e volvia-se preguiçoso resignando-se, vencido, às imposições do sol e do calor, muralha de fogo com que o espírito eternamente revoltado do último tamoio entrincheirou a pátria contra os conquistadores aventureiros.
E assim, pouco a pouco, se foram reformando todos os seus hábitos singelos de aldeão português e Jerônimo abrasileirou-se. A sua casa perdeu aquele ar sombrio e concentrado que a entristecia; já apareciam por lá alguns companheiros de estalagem, para dar dois dedos de palestra nas horas de descanso, e aos domingos reunia-se gente para o jantar”.
No fragmento, Jerônimo altera completamente a sua personalidade ao entrar em contato com o ambiente brasileiro. Essa modificação fica evidente em “Jerônimo abrasileirou-se”. Ao modificar-se, o personagem torna-se um exemplo do pensamento determinista.
Ao longo de todo o fragmento, o sol e os elementos naturais ganham destaque, reforçando a relação dos homens com o meio em que vivem. Note que o narrador observa a cena como se fosse um cientista, apresenta-se distante, característica criada pelo foco narrativo em 3ª pessoa.
Os personagens da obra de Aluísio Azevedo são movidos pelo instinto. Isso evidencia a grande animalização presente nas descrições. Tem-se uma concepção biológica da vida.
NATURALISMO NO BRASIL
O naturalismo foi iniciado no Brasil com a publicação do romance O Mulato, de Aluísio Azevedo, no ano de 1881. O autor, abolicionista, trata do preconceito racial e da corrupção do clero vividos na sociedade maranhense do fim do século XIX. Em seu romance, conta a história de Raimundo, um mulato, filho de um português com uma ex-escrava do pai, que estuda na Europa e regressa ao Brasil para rever sua família. Quando aqui chega, apaixona-se pela sua prima Ana Rosa, e tem seu amor correspondido. No entanto, o casal enfrenta diversos obstáculos da sociedade maranhense, que não admite ver a moça casada com um mulato. Entre eles, estão os pais de Ana Rosa e o Cônego Diogo (sendo que este fora o assassino do pai de Raimundo). Ao final, mesmo sendo amado por Ana Rosa, Raimundo acaba morto pelo Cônego. O livro recebeu inúmeras críticas de seus conterrâneos, mas conseguiu se consagrar no Rio de Janeiro (então capital do Brasil).
Além de O Mulato, Aluísio Azevedo também publicou diversos romances, dentre eles, O Cortiço (1890), sua obra-prima, que iria reforçar o lugar do autor no Naturalismo brasileiro. Nesse romance, cujo principal “personagem” é um cortiço do Rio de Janeiro, o escritor delineia uma série de tipos sociais degradados, moradores do cortiço, precursor do que conhecemos hoje como favelas. Assim como em vários romances do realismo e do naturalismo, O Cortiço não possui um enredo único, mas uma série de histórias envolvendo seus principais tipos sociais: o português ganancioso, os escravos, a mulata, o operário, o malandro e os burgueses, transformando-os em estereótipos. No entanto, um dos personagens que mais tem peso no romance é João Romão, o português dono do cortiço e responsável, em parte, pela situação degradante de seus moradores.
No romance O Cortiço, Aluísio Azevedo trabalha com o determinismo: o cortiço é o meio responsável por determinar as ações dos personagens. Além disso, dentro daquela esfera de degradação, seus moradores lidam com características naturais dos humanos, como o instinto, o primitivismo e a promiscuidade. Assim, em muitos aspectos, seus personagens são “animalizados”, isto é, são comparados a animais por causa de seus comportamentos.
Ao final do romance, quando o cortiço pega fogo, João Romão constrói um novo cortiço, no entanto, não mais destinado às classes pobres da sociedade, mas sim, à nova classe média que começava a aparecer no Brasil.