OS MOVIMENTOS MESSIÂNICOS
A palavra messianismo é derivada de messias, que significa “o enviado de Deus”, “o salvador”. Tal palavra liga-se a ideia de que um salvador irá surgir e salvar a população, indicando-lhe o caminho da salvação. Esse termo serviu para designar a crença de um grupo de pessoas em um líder politico-religioso considerado capaz de conduzir determinada coletividade a uma nova era de justiça e felicidade. Essa crença costuma se basear numa esperança para melhorar a condição de vida de pessoas que vivem num regime de sofrimento, pela miséria e pela injustiça social.
Na história do Brasil, o termo messianismo costuma ser usado para denominar os movimentos sociais nos quais milhares de sertanejos de áreas rurais pobres fundaram comunidades comandadas por um líder religioso. Atribuía-se a esse líder dons de como fazer milagres, realizar curas e profetizar acontecimentos. Na primeira república, os dois principais movimentos de caráter messiânico foram Canudos e Contestado, caracterizados pela religiosidade e pelo sentimento de revolta dos sertanejos.
A VIDA EM CANUDOS
No Nordeste brasileiro no final do século XIX, parte da população nordestina vivia de maneira miserável. O sofrimento da população tinha vários motivos do período, como:
- o declínio da produção açucareira, causando prejuízo aos produtores da região, que demitiram diversos trabalhadores das fazendas;
- as constantes secas no Nordeste, causando a fone e a miséria entre a população local;
- a prepotência dos coronéis-fazendeiros, que tratavam a população camponesa de qualquer forma;
- o advento da República, que não trouxe benefício a população local.
Foi nesse contexto de miséria e desolação da população nordestina, durante o governo do presidente Prudente de Morais, que Antônio Vicente Mendes Maciel (1828-1897), apelidado de Antônio Conselheiro, desenvolveu sua pregações no sertão, atraindo diversas populações.
Após a proclamação da República, se instalou no sertão baiano uma comunidade que acabava rivalizando com o poder dos latifundiários regionais. Os seguidores de Antônio Conselheiro se instalaram em 1893 numa velha fazenda abandonada no sertão baiano, situado às margens do rio Vaza-Barris na localidade que ficou conhecida como Arraial de Canudos.
Na região foi formada uma comunidade de diversas populações: sertanejos sem-terra, vaqueiros, ex-escravos, pequenos proprietários pobres, homens e mulheres perseguidos pelos coronéis ou pela polícia. O modo de vida de Canudos apresentava características que desafiavam o poder dos coronéis, porque:
- Havia uma prática do sistema comunitário, o “comunitarismo”, em que a produção agrícola era repartida, e o excedente era vendido ou trocado com os povoados vizinhos;
- Não havia cobrança de tributos no Arraial;
- Eram proibidas a prostituição e a venda de bebidas alcoólicas.
Os camponeses, sob a liderança de Antônio Conselheiro, tinham o interesse em construir uma cidade Santa, a qual chamaram de Belo Monte. O núcleo de Canudos tornou-se relativamente próspero, dedicando-se inclusive com o comércio com as cidades vizinhas. Essa articulação do arraial com outras cidades acabou inquietando os grandes proprietários de terras, que viam suas fazendas perderem mão-de-obra para o Arraial de Canudos.
Outro ponto importante era o fato que Antônio Conselheiro, declarava-se, por exemplo, contra o casamento civil, e por isso foi identificado por seus adversários como monarquista e religioso fanático. Um de seus lemas principais era: “A terra não tem dono, a terra é de todos”, o que causava uma revolta entre os grandes proprietários de terra.

Antônio Conselheiro encontra a República e a repreende.
Legenda da Charge: até tomando ares de dizer á Republica: — Alto lá! d’aqui não passarás…
Charge de 1896 de Angelo Agostini.
Por conta dessas características, as denúncias oficiais começaram a surgir, realizadas principalmente pelos fazendeiros da região, que argumentavam a ameaça que representava Antônio Conselheiro como um inimigo da Igreja e da República. Tais denúncias escondiam o verdadeiro propósito dos latifundiários: impedir os pobres de viver com autonomia, já que o Arraial de Canudos atraía as populações camponesas do Nordeste, enfraquecendo a mão de obra dos latifundiários da região.
O povoado de Canudos reuniu cerca de 20 a 30 mil habitantes, se tornando um dos locais mais populosos do interior da Bahia. Tal situação incomodou os latifundiários locais, que pressionaram as autoridades do governo federal, exigindo uma ação incisiva do governo. Por isso, diversas ações foram realizadas para destruírem o Arraial.
A primeira campanha contra Canudos foi em 1896, com a atuação de tropas dos coronéis locais e da polícia militar baiana, tal ataque acabou não derrotando os camponeses, e assim forneceu armas para os homens do Arraial. Após a derrota das tropas do governo estadual, o governo federal decidiu entrar na luta, enviando forças federais para a região. Depois de mais duas campanhas desastrosas do exército brasileiro, a derrota da 3ª expedição governista foi divulgada nacionalmente pela imprensa, o que transformou a cidade de Canudos no inimigo número um da República. Por isso, o governo organizou a quarta expedição, em abril de 1897, sob o comando do general Artur de Andrada Guimarães, formada por 8 mil soldados bem equipados.

Acima, quatrocentas pessoas de Canudos que foram feitas prisioneiras.
Fotos: Flávio de Barros/Álbum Canônico Virtual de Canudos/ Instituto Moreira Salles, Rio de Janeiro, RJ.
O arraial de Canudos resistiu até o dia 5 de outubro de 1897, quando foi arrasado e seus habitantes dizimados pelas tropas do governo. Mais de 5 mil casas foram incendiadas pelo exército. A população sertaneja morreu defendendo sua comunidade, em uma das mais trágicas lutas da história da República. O corpo de Antônio Conselheiro foi encontrado na manhã seguinte após a derrota da cidade, mesmo morto foi decapitado pelas forças legalistas. O destino de Canudos e de seus moradores foi relatado por Euclides da Cunha no livro Os Sertões.
O CONTESTADO (1912-1916)
Outro movimento importante da época foi um movimento messiânico ocorrido na fronteira entre Paraná e Santa Catarina, em uma região contestada (disputada) pelos dois estados, por isso o movimento ficou conhecido como Contestado.
ANTECEDENTES
Era grande o número de sertanejos estabelecidos nessa região, vivendo da extração de erva-mate, madeira e da criação de gado desde o século XVIII. Com o início da construção de uma ferrovia que ligaria São Paulo ao Rio Grande do Sul, no ano de 1890, muitos deles foram desalojados dessas terras, perdendo também seu meio de vida. Alguns conseguiram trabalho, sob duras condições, com os fazendeiros locais, e a partir de 1908 sob o governo do presidente Afonso Pena (1906-1910), os moradores da região conseguiram emprego em duas empresas estadunidenses que ali passaram a atuar:
- Brazil Railway: contratada pelo governo para terminar a construção da ferrovia que ligaria São Paulo ao Rio Grande do Sul, a empresa recebeu uma faixa de 15 quilômetros de terra de cada lado de ferrovia;
- Southern Brazil Lumber and Colonization: a empresa herdou o direito de explorar e vender a madeira na faixa de terreno desapropriada ao longo dessa ferrovia, desapropriando as terras de inúmeros ribeirinhos e camponeses da região.
Quando a Brazil Railway começou a contratar trabalhadores em outros estados e pagando salários muito baixos, os problemas sociais começaram a surgir. A ferrovia ficou pronta em 1910 e a empresa mandou embora todos os seus funcionários – mais ou menos 8 mil homens. Sem casa e nem dinheiro, começaram a perambular pela região, saqueando, invadindo propriedades e até se oferecendo como jagunços aos coronéis, o que elevou as tensões sociais e políticas crescerem na região.
A FUNDAÇÃO DE POVOADOS
Sem terra e famintos, os sertanejos começaram a se organizar sob a liderança de um “monge” chamado João Maria. Após sua morte, seu lugar foi ocupado por outro “monge”, Miguel Lucena, conhecido como José Maria. Ele conseguiu reunir mais de 20 mil sertanejos e fundou com eles alguns povoados que compunham a chamada Monarquia Celeste. Como em Canudos, a “monarquia” do Contestado tinha um governo próprio e normas igualitárias, não obedecendo às ordens da República.
Os sertanejos do Contestado passaram a ser perseguidos por pessoas a mando dos coronéis, fazendeiros e dirigentes das empresas estrangeiras estabelecidas na região, com o apoio de tropas do governo. O objetivo era destruir a organização comunitária e expulsar os sertanejos das terras que ocupavam. Em novembro de 1912, José Maria foi morto em combate e “santificado” pelos moradores da região. Inconformados, os sertanejos diziam que José Maria iria ressuscitar e voltaria liderando um exército encantado, junto com São Sebastião, para fazer valer a “lei da coroa do céu”. Por isso, alimentou a ideia do Sebastianismo na região.
Seus seguidores criaram novos núcleos da Monarquia Celeste, que depois foram combatidos e destruídos pelas forças do Exército Brasileiro. O governo federal, presidido por Hermes da Fonseca, decidiu então enviar para a região uma força composta de 6 mil soldados, canhões, metralhadoras e até mesmo aviação militar. Os redutos dos “irmãos do Contestado” foram atrasados e incendiados, os que se entregavam eram executados e queimados no mato. Em 1916, os últimos núcleos foram arrasados por tropas do governo.