O GOVERNO GEISEL – ENTRE O AUTORITARISMO E A DISTENSÃO (1974-1979)
Com o fim do milagre econômico, decorrente da crise do petróleo de 1973, o regime militar começou a afrouxar as amarras junto da sociedade brasileira. O período do governo Geisel (1794-1979) deu início a um momento de distensão política onde os militares já estavam com a imagem arranhada, e por isso preferiu realizar uma transição controlada do poder para os civis. Durante seu governo, houve incidentes que reforçaram o controle dos militares sobre o país. Logo no primeiro ano de governo, o deputado federal Francisco Pinto, fez um discurso na câmara no dia 27 de março de 1974, criticando duramente a instauração de um regime ditatorial no Chile, sob o controle de Augusto Pinochet. A crítica feita pelo deputado foi vista como uma crítica ao próprio governo militar no Brasil, desencadeando uma resposta do governo militar, que decidiu cassar o mandato do deputado em resposta ao seu discurso.
Mas durante o governo Geisel também ocorreram incidentes em que os militares abusaram da violência nas investigações e foram reprimidos, como o caso do jornalista Vladimir Herzog. Em 1975, o jornalista, na época diretor de jornalismo na TV Cultura, foi convidado por agentes do II Exército para prestar esclarecimentos sobre possível relação com o Partido Comunista Brasileiro, que estava na ilegalidade. Herzog se encaminhou para o DOI-CODI paulista no dia 25 de outubro de 1975 com outros dois jornalistas, e nunca mais saiu com vida do prédio do DOI-CODI. Foi torturado sob o argumento de ter ligações com o PCB. No dia 25 de outubro, às 15 horas, o Serviço Nacional de Inteligência, o SNI, recebeu em Brasília uma mensagem que informava o suicídio do jornalista Vladimir Herzog. Quando seu corpo foi liberado, foram constatados claros sinais de tortura, o que levou a diversas manifestações de jornalistas em São Paulo criticando o regime militar e dando início a uma série de manifestações que exigiam o fim do regime militar.

O “suicídio” de Wladimir Herzog.
Reprodução/Agência Jornal do Brasil
Em 1976, outro incidente ocorreu na mesma unidade do DOICODI, em São Paulo. O operário Manoel Filho havia sido citado numa investigação dos agentes e por isso foi levado no 16 de janeiro de 1976 para o DOI-CODI. No dia 17 de janeiro, depois de passar por um processo de investigação, o operário acabou aparecendo morto nas mesmas condições de Vladimir Herzog, meses antes. Os dois incidentes acabaram pressionando o governo federal, que sob o comando do presidente Geisel, deu ordens para afastar o general Ednardo, responsável por comandar as operações realizadas no DOICODI paulista. Tais incidentes demonstram que o governo federal acabou tomando uma postura contra os incidentes que foram a público, apresentando uma posição contra a tortura nos porões do regime. Entretanto, se tem conhecimento que o presidente Geisel autorizava a execução de prisioneiros capturados pela ditadura, mas como nem todos tiveram repercussão nos canais de comunicação, isso não gerava uma pressão para o governo dos militares.
Outra mudança significativa do período foi a criação da lei Falcão, de 1976. Com essa lei, os políticos não poderiam fazer apresentação de suas propostas nas propagandas políticas eleitorais veiculadas no canal de comunicação. Só era lhe permitido a apresentação de sua candidatura, com o cargo desejado, seu partido e a leitura de um currículo. Assim todos os candidatos teriam o mesmo tempo de propaganda política, e nenhum candidato seria, na visão do governo, prejudicado. Para a oposição, a lei Falcão era uma forma de silenciar os candidatos que queriam questionar alguns elementos presentes no regime militar, e por isso a lei foi duramente criticada.
Em 1977, para ampliar o poder do governo militar, Ernesto Geisel implantou no dia 1 de abril uma série de transformações na Constituição Brasileira, naquilo que ficou conhecido como o Pacote de Abril. Para a implantação deste pacote de medidas, Geisel ordenou o fechamento do Congresso Nacional, que ficou fechado por 14 dias. Entre as medidas aprovadas pelo Pacote de Abril, destacam-se:
- eleições indiretas para governador;
- ampliação do mandato presidencial de cinco para seis anos;
- alteração do quorum no Congresso – de 2/3 para maioria simples – para a votação de emendas constitucionais pelo Congresso;
- eleição de senadores de forma indireta, indicados pelo governo federal e reduzindo assim a participação de estados em que a oposição ao governo militar era maior, favorecendo assim os estados alinhados ao partido ARENA. Estes senadores ficaram conhecidos como senadores biônicos, por estarem diretamente ligados aos interesses do governo e não terem recebido voto popular;
Devido a aprovação do pacote de abril, forças de oposição começaram a se organizar para uma saída democrática do regime militar. Em 1977, sob a orientação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), foi iniciada uma discussão para a realização de uma nova Assembleia Constituinte, que deveria ser precedida por uma anistia geral, ampla e irrestrita, para assim mudar os rumos da política brasileira.
O PRAGMATISMO DO GOVERNO GEISEL NA POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA
No governo Geisel, se constatou que um alinhamento exclusivo com os Americanos acabava gerando muita dependência econômica. Assim, por meio do Itamaraty, o governo buscou fazer relações com outras nações como africanas, asiáticas e europeias para poder diversificar suas relações internacionais e aprimorar alguns setores da economia brasileira. Em 1974, o governo se aproximou da Líbia, Arábia Saudita, Iraque e Argélia, bem como os países africanos de Angola e Moçambique, buscando países ricos em Petróleo e Gás Natural. Durante o governo Geisel, houve o restabelecimento das relações com a China comunista e o reconhecimento da legitimidade da Organização para a Libertação da Palestina, a OLP, no caso da Palestina. O governo Geisel também foi responsável por costurar acordos com a Alemanha Ocidental e o Japão, buscando assim aprimorar a tecnologia nuclear no Brasil para a produção energética. Esse avanço nas relações internacionais ficou conhecido como pragmatismo responsável da diplomacia brasileira.
A ECONOMIA DURANTE O GOVERNO GEISEL
Durante o governo Geisel (1974-1979), a economia brasileira acabou sofrendo um revés devido ao cenário internacional desfavorável, como consequência das sucessivas crises do petróleo, a primeira ocorrida em 1973 e a segunda crise ocorrida em 1979. Esses eventos acabaram gerando a ampliação da dívida externa brasileira, pois a economia dependia da importação de petróleo. Esse endividamento também ocorreu por razões de ordem estrutural, pois o Brasil exportava produtos que incorporavam no seu valor baixos salários e baixo coeficiente tecnológico em troca da importação de bens que incorporam salários mais elevados, com isso gerando um intercâmbio desigual na sua balança comercial.
Para comandar o Ministério da Fazenda, Geisel escolheu o economista Mário Henrique Simonsen, que foi responsável por tentar recuperar a economia brasileira. Com Simonsen, o governo buscou a manutenção do crescimento, que legitimaria o regime militar no poder, e por isso o governo federal decidiu tomar para si a tarefa de criar as bases para novos investimentos. Daí que tomaram impulso as grandes obras de infraestrutura, como a Usina Hidrelétrica de Tucuruí, a Ferrovia do Aço, a usina de Angra dos Reis, conotando assim um aumento das ações governistas e como consequência um aumento do agravamento da situação de déficit público, pois o governo ampliou os gastos para dar prosseguimento as essas obras de infraestrutura.
Em 1974 foi lançado pelo Ministério da Fazenda o II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND II – 1975-1979), que previa a expansão das indústrias de bens de produção (máquinas, equipamentos pesados, aço, cobre, energia elétrica etc). Assim em vez de recuar para uma política econômica conservadora, o governo radicalizou a estratégia desenvolvimentista nacional, exigindo o investimento de grandes recursos financeiros. Alguns programas foram formados naquele período como:
- Programa Nacional do Álcool (Proálcool) – criado em novembro de 1975 com o propósito de incentivar a produção de álcool no Brasil. O objetivo final era a utilização desse produto, em larga escala, como combustível veicular, para substituir a gasolina derivada do petróleo em crise desde 1973.
- Programa Nuclear Brasileiro – recebeu impulso em 1975, com a assinatura de um acordo com o governo da Alemanha Ocidental para a instalação de uma usina de enriquecimento de urânio, além de centrais termonucleares, as atuais usinas nucleares de Angra dos Reis.
Entretanto, a economia não deu sinais de reação neste período, e a inflação começou a crescer na época. Tal situação agravou ainda mais as tensões sociais durante o regime militar, o que favoreceu a ampliação do processo de reabertura democrática e de transição do poder para os civis. Com o fim do milagre econômico e de todas as estruturas que garantiam um sucesso financeiro a classe média brasileira, os militares perderão cada vez mais sua base de apoio.
GEISEL E O PROBLEMA NA SUCESSÃO PRESIDENCIAL
No ano de 1977, o governo Geisel vivenciou uma tensão entre os grupos militares do regime, pois havia uma divisão entre o bloco “linha dura” e os liberais-conservadores para a sucessão presidencial. No grupo “linha dura”, os militares defendiam a manutenção do regime de maneira centralizada, e por isso apoiavam a candidatura do general Sylvio Frota, o Ministro da Guerra do governo Geisel. Os “frotistas” argumentavam que o país ainda não estava livre das ameaças subversivas, e por isso era necessário ampliar o controle sobre várias estruturas da sociedade brasileira. Em oposição aos “frotistas”, o presidente Geisel desejava dar continuidade ao processo de abertura lenta e gradual que estava realizando, e por isso o governo apoiava como candidato a figura do chefe do Serviço Nacional de Inteligência, o general João Baptista Figueiredo.
Para dar uma solução ao problema, o presidente Geisel decidiu exonerar Sylvio Frota, em 12 de outubro de 1977, dando fim as tensões pela sucessão presidencial e definindo como futuro presidente a figura do general Figueiredo. No ano seguinte, exatamente no dia 13 de outubro de 1978, o presidente Geisel deu mais um passo rumo ao processo de reabertura política do país, com a promulgação da emenda constitucional nº 11, que previa o retorno ao habeas corpus e o fim de todos os atos institucionais, quando a emenda entrasse em viro no dia 1 de janeiro de 1979.
Antes da aprovação desta emenda constitucional nº 11, as pressões sociais já tomavam o país, principalmente pelo surgimento de greves operárias na região do ABCD Paulista (cidades de Santo André, São Bernardo, São Caetano e Diadema = ABCD) durante o ano de 1978 e pegando as empresas do local (fábricas de automóveis em sua maioria) de surpresa. Nesse local, se destacou a figura de Luís Inácio “Lula” da Silva, como liderança política e operária na (líder dos metalúrgicos), atuando para pressionar o governo do general Geisel e até mesmo o governo de Figueiredo. Os metalúrgicos da região pressionavam pela melhoria das condições de trabalho e aumento de seus salários, criando assim um espaço de discussão política e exigindo também o retorno da democracia. Vai ser nesse contexto de greves e manifestações que no dia 15 de março de 1979 o general Figueiredo vai assumir a presidência do Brasil, sob a orientação de realizar a transição do poder para os civis.