O PROCESSO DE REABERTURA DO GOVERNO FIGUEIREDO (1979-1985)

Foto oficial de João Figueiredo, presidente do Brasil entre 1979 e 1985.
Origem: Galeria de Presidentes
Com a posse do general Figueiredo no dia 15 de março de 1979, foi iniciado o último governo dos militares. Seu principal objetivo de governo era evitar que as tensões sociais levassem o país para um cenário de radicalização política, para fazer uma transição para a democracia de maneira tutelada pelos militares, ou seja, sob o total controle do governo para evitar uma “caça às bruxas” no fim do regime.
Como primeira ação do governo federal para favorecer um clima de conciliação entre as diversas forças presentes no país, tanto governistas quanto oposicionistas, o general Figueiredo decretou a aprovação da Lei de Anistia, o que agradou diversos setores da sociedade brasileira que já pressionavam o governo federal por uma anistia aos exilados políticos do regime. Com a aprovação da Lei de anistia, geral e irrestrita em 1979, o governo federal possibilitou o processo de reconciliação na sociedade brasileira. A lei previa que todos os crimes cometidos por revolucionários e agentes do governo no período de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979 estariam extintos, e por isso, não poderiam ser julgados ou processados.
No mesmo ano, o governo Figueiredo foi responsável também por aprovar o retorno ao pluripartidarismo, com a Lei Federal nº 6.767, no dia 22 de novembro de 1979. Na prática, os partidos ARENA e o MDB deixaram de existir, para o surgimento de novos partidos políticos no cenário brasileiro. Isso acabou favorecendo um fortalecimento da estrutura do regime militar, pelo seguinte motivo, com o fim do milagre econômico, o regime começou a sofrer duras críticas da sociedade brasileira, que começou a votar maciçamente nos candidatos do MDB, que mesmo com representantes de diversas classes sociais, se aglutinavam contra o governo. Com a criação de diversos partidos políticos no período, como o PMDB, PT, PDT e o PTB, os grupos políticos acabaram se fragmentando, favorecendo o enfraquecimento da oposição ao regime. No caso do ARENA, o partido deixou de existir para o surgimento do Partido Democrático Social, o PDS, formado por políticos ligados ao regime militar, e mantendo a sua unidade conservadora.
Com a aprovação da Anistia, diversos brasileiros que estavam exilados no exterior puderam retornar para o território brasileiro, fortalecendo o processo pelo fim do regime militar em todo o país. Para o bloco “linha dura”, a lei de Anistia foi duramente criticada por perdoar os crimes de elementos “subversivos”. Como consequência da lei, a partir de 1980 os militares “linha dura” começaram a realizar diversos atentados terroristas no país, com o objetivo de responsabilizar os opositores do governo e criar assim um clima de instabilidade nacional, para argumentar uma necessidade de retorno a centralização do poder e dar um fim no processo de redemocratização.
Diversos atentados foram realizados por todo o país, como incêndio a bancas de jornal que vendiam revistas vistas como “subversivas”, atentados a bomba em diversos locais vistos como oposição ao regime, como o caso que vitimou Lyda Monteiro da Silva, funcionária da OAB que acabou sofrendo o atentado no dia 27 de agosto de 1980 e faleceu no mesmo dia. Outras cartas bombas foram entregues na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, no Jornal Tribuna da Imprensa, e na Associação Brasileira de Imprensa. Estes artefatos não causaram danos, e todos eles foram relacionados como parte de uma operação do bloco “linha dura”.
No ano seguinte, no dia 30 de abril de 1981, a linha dura tentou realizar outro atentado, durante um show de música que era realizado para comemoração do Dia do Trabalhador. Os militares queriam colocar bombas no interior do show, o que causaria a morte de várias pessoas, e assim a oposição ao regime militar seria responsabilizada pelo incidente.
Entretanto, uma das bombas acabou detonando no colo do sargento Guilherme Pereira, que estaria fazendo os ajustes finais no artefato no interior do carro Puma GTE estacionado no estacionamento do RioCentro. Com a explosão o sargento acabou morrendo na hora, e o capitão Machado, que estaria dando suporte a operação, acabou ficando gravemente ferido. Tal incidente levou ao fracasso da operação, e num primeiro momento o exército tratou o incidente como um ato de heroísmo dos militares envolvidos no ocorrido, que teriam “salvo” o evento, evitando que os artefatos explodissem no interior do show. Com isso, o atentado ao RioCentro revelou a sociedade brasileira que grupos militares não queriam o fim do regime militar, usando até mesmo de terrorismo para evitar a transição rumo a democracia.
Ainda no governo Figueiredo, mesmo com o regime pluripartidarista, o governo federal buscou beneficiar o partido do PDS estabelecendo o pacote de novembro, em 1981. O pacote estabelecia uma série de regras e medidas para a realização das eleições para governadores, prefeitos, deputados estaduais e vereadores, eleição que seria realizada em 1982. Como regra eleitoral, era estabelecido que o eleitor devia votar em candidatos do mesmo partido, para todos os cargos que o partido apresentasse, ou teria seu voto anulado. Não podia haver coligações partidárias para a formação de chapas entre partidos e assim formar um bloco contra o regime. Todas essas medidas foram realizadas com o objetivo de manter uma severa divisão da oposição, e garantir uma maioria do PDS no Colegiado Eleitoral, para evitar qualquer surpresa para a sucessão presidencial marcada para 1985.
A EMENDA DANTE DE OLIVEIRA E A CAMPANHA PELAS DIRETAS JÁ! (1983-1984)
Em Novembro de 1984, estavam previstas as eleições indiretas para o sucessor do Presidente João Batista Figueiredo, sendo que este iria entregar o poder para as mãos de um presidente civil. Entretanto, no mês de novembro de 1983 foi lançada uma campanha pelas eleições diretas para presidência da República. O deputado federal Dante de Oliveira, lançou um projeto de emenda constitucional e conseguiu obter o número mínimo de assinaturas, junto de deputados do Congresso Nacional, para poder levar o projeto adiante como pauta de votação no Congresso Nacional.
Com o projeto em pauta, diversas manifestações e comícios populares foram realizados, chegando a reunir 1 milhão de pessoas no Rio de Janeiro, São Paulo e em diversas partes do Brasil, demonstrando assim que a sociedade estava farta do regime militar e que buscava pressionar o Congresso para que este aprovasse a Emenda Dante de Oliveira. O movimento de manifestações públicas por todo o país recebeu o nome de “Diretas Já!”, demonstrando que a sociedade brasileira queria dar um fim a falta de democracia existente no país, pressionando ainda mais o governo de João Batista Figueiredo. Diversas personalidades estiveram presentes na realização das manifestações como Gilberto Gil, Caetano Veloso, Luís Inácio Lula da Silva, Tancredo Neves, Ulysses Guimarães e outras personalidades e políticos que tiveram papel importante para pressionar pelo fim do regime militar. Entretanto, no dia 25 de maio de 1984, a emenda acabou sendo rejeitada no Congresso Nacional. Com a liderança do PDS, o senador José Sarney, ligado aos militares, derrotou a emenda constitucional no Senado, colocando um fim no projeto para a realização democrática das eleições.

Manifestação pelas eleições diretas presidenciais na praça da Sé, em São Paulo, no ano de janeiro de 1984.
Orlando Brito/Arquivo da editora
O CRESCIMENTO DA INFLAÇÃO DURANTE O GOVERNO FIGUEIREDO
Durante a gestão do presidente Figueiredo, logo no início teve que enfrentar um novo choque de petróleo, devido a Revolução iraniana de 1979, o que acabou prejudicando ainda mais a economia brasileira, que teve que enfrentar uma alta na política dos juros internacionais, causando um aumento na dívida externa brasileira. O presidente Figueiredo decidiu então trazer para o ministério da Fazenda o economista Delfim neto, famoso pelo milagre econômico das gestões dos presidentes Costa e Silva e Médici. Com Delfim Neto o Brasil lançou o III Plano Nacional de Desenvolvimento (PND III), implantado entre os anos de 1980-1985. O plano consistia em uma nova intervenção estatal para realizar a recuperação econômica e reduzir a desigualdade social no país.
Mas o campo econômico gerava um imenso desgaste para o governo federal, pois no ano de 1980 a inflação havia alcançado a marca de 110%. Na falta de recursos externos, emitia-se dinheiro internamente, ativando o crescimento da inflação e ocasionando o grande déficit das contas públicas. Assim, no início da década de 1980, o Brasil passava a viver uma situação de estagnação, uma estagnação econômica com inflação. Dois anos depois, em 1983, a inflação alcançou a marca de 200% ao ano, causando uma grave crise econômica que o governo federal não conseguia enfrentar. Com o visível colapso econômico, com uma falta na capacidade de exportações, sem uma fonte de financiamentos plausível e com uma grave incapacidade de competir com outros países no campo econômico, o governo federal dava claros sinais de esgotamento.
Somado a esse esgotamento, as manifestações de trabalhadores geravam ainda mais instabilidade para o governo federal. Os trabalhadores do ABCD Paulista continuaram fazendo suas manifestações por melhores condições de vida e trabalho, repetindo em 1979 e 1980 as greves de trabalhadores, principalmente metalúrgicos na região. O principal líder dos metalúrgicos, Luis Inácio Lula da Silva, tornou-se uma das principais lideranças políticas contra o regime militar, sendo até mesmo preso em 1980, por ser considerado um elemento que causava distúrbio a segurança nacional. Devido aos péssimos indicadores da economia brasileira, e a sua incapacidade de reação no campo econômico, a dívida externa brasileira ultrapassou a marca dos 100 bilhões de dólares. Com isso, o governo federal chegou a recorrer ao Fundo monetário Internacional no ano de 1982, com o objetivo de obter recursos para sanar as dívidas internacionais do Brasil e assim dar a possibilidade de recuperação econômica para o país.
A VITÓRIA E A MORTE DE TANCREDO NEVES (1985)
A partir da derrota da emenda constitucional Dante de Oliveira, o processo eleitoral começou a ser organizado para a sua realização de maneira indireta, como estava sendo prevista pelos militares. A oposição ao governo do regime militar começou a se organizar em torno da candidatura de Tancredo Neves, que entrou na disputa como candidato à Presidência de maneira indireta, junto do Colegiado Eleitoral. Já os militares queriam que candidato vitorioso fosse algum político que se relacionasse bem com o regime, possibilitando assim uma transição que não houvesse nenhum tipo de retaliação aos militares.
Por isso o candidato do governo deveria ser um político oriundo do PDS, partido que fora criado após o fim do ARENA com o retorno do pluripartidarismo, ou seja, um partido ligado ao governo do regime militar. No interior do partido, os políticos do PDS estavam divididos entre os possíveis candidatos Paulo Maluf e Mário Andreazza. Depois de várias discussões, o PDS decidiu indicar Paulo Maluf como candidato do partido, mas essa discussão acabou gerando um grupo de políticos que decidiram sair do PDS, num movimento de dissidência partidária. Esses dissidentes, sobre a liderança de José Sarney formaram, em 1984, a Frente Liberal (o futuro PFL em 1985) congregando ex-líderes do PDS como José Sarney para a candidatura de Tancredo Neves.
Com um acordo entre o PMDB e a Frente Liberal, surgiu o bloco da Aliança Democrática, estabelecendo Tancredo como candidato a presidência e José Sarney como candidato a vice-presidência. Graças a cisão de políticos ocorrida no PDS e as articulações realizadas por José Sarney no Colegiado Eleitoral, Tancredo Neves conseguiu derrotar Paulo Maluf no dia 15 de janeiro de 1985. Um dia antes da posse, Tancredo Neves foi internado às pressas no dia 14/03/1985 e acabou realizando diversas cirurgias na região do abdômen, pois teria um quadro de câncer na região abdominal. Por uma sucessão de erros médicos acabou permanecendo internado no hospital. Por isso, o presidente eleito pelo Colégio Eleitoral acabou não assumindo a presidência, sendo substituído por José Sarney (1º presidente civil após 21 anos de militares), que assumiu a presidência mesmo sem Tancredo assumir anteriormente. O Congresso Nacional aguardava a recuperação de Tancredo, para poder empossá-lo como presidente, já que ele havia vencido o Colegiado Eleitoral. Entretanto, Tancredo não conseguiu se recuperar e acabou falecendo no dia 21/04/1985, feriado de Tiradentes, e com isso Sarney permaneceu como presidente do Brasil.