GÊNERO LÍRICO
Com o passar dos séculos, o hábito de declamar poemas acompanhado de um instrumento musical deixou de existir, no entanto, foram criadas diferentes formas de se manter a sonoridade nos poemas. A musicalidade mantém-se seja por meio da seleção vocabular, seja por meio da organização dos vocábulos.
Além da acuidade no trato das palavras e da sonoridade, os textos que pertencem ao gênero lírico possuem grande subjetividade, provocando, no leitor, grande impacto e reflexão. Para isso, organizam-se, na grande maioria dos casos, em versos e fazem uso da linguagem conotativa.
EU LÍRICO
Quando tentamos interpretar os poemas, muitas vezes pensamos, equivocadamente, que o conteúdo ali evidenciado é autobiográfico, que representa exatamente a vida de seu autor. No entanto, o poema permite que o artista expanda a própria vivência, finja o que sente e, neste processo, torne-se outro. Observe o poema de Fernando Pessoa:
Autopsicografia
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
A beleza que envolve a poesia dá-se porque a obra de arte cria a catarse e também porque o artista finge “tão completamente” que se torna capaz de “fingir que é dor” aquilo que “deveras sente”. É preciso compreender a diferença entre o poeta e o eu lírico. Deste modo, não devemos confundir a pessoa real com a entidade fictícia. Claro que o poema não está isento da subjetividade de seu criador, mas, no momento da escrita, uma nova entidade nasce, desprendida da lógica e da compreensão de si mesmo, fatores que nunca abandonam quem escreve os versos. No caso de Fernando Pessoa, torna-se ainda mais fácil perceber que a biografia do autor pouco interfere no poema, visto que ele criou diversos heterônimos em suas obras.
Portanto, devemos compreender o eu poético como um ser ficcional que se manifesta no texto lírico, expressando toda a sua subjetividade.
A CONSTRUÇÃO DOS VERSOS
Chamamos de verso cada uma das linhas que constituem o poema. Quando os versos se agrupam, temos uma estrofe. Além disso, eles dão ritmo, melodia e métrica a uma poesia. Eles podem ser medidos através de técnicas de metrificação e classificados quanto ao número de sílabas métricas (ou sílabas poéticas).
METRIFICAÇÃO
Em português, a tonicidade das palavras determina o número de sílabas métricas. A contagem dos sons dos versos vai até a última sílaba tônica de cada verso. Deve-se salientar que a contagem das sílabas poéticas não é feita da mesma forma que a separação silábica. O poeta conta os sons ou grupos sonoros, tal como são percebidos pela audição.
CLASSIFICAÇÃO QUANTO À METRIFICAÇÃO
- Pentassílabo (redondilha menor): 5 sílabas poéticas.
“Amei tanta cousa…
Hoje nada existe”
(Fernando Pessoa)
- Hexassílabo: 6 sílabas poéticas.
“Se andava no jardim,
Que cheiro de jasmim!”
(Camilo Pessanha)
- Heptassílabo (redondilha maior): 7 sílabas poéticas.
“Sucede, Marília bela,
à medonha noite o dia;”
(Tomás Antônio Gonzaga)
- Octossílabo: 8 sílabas poéticas.
“A bola não é a inimiga,
como o touro, numa corrida”
(João Cabral de Melo Neto)
- Eneassílabo: 9 sílabas poéticas.
“Cavaleiro das armas escuras,
Onde vais pelas trevas impuras”
(Álvares de Azevedo)
- Decassílabo: 10 sílabas poéticas.
“Inda conserva o pálido semblante
Um não sei quê de magoado e triste”
(Basílio da Gama)
- Hendecassílabo: 11 sílabas poéticas.
“No meio das tabas de amenos verdores,
Cercadas de troncos – cobertos de flores,”
(Gonçalves Dias)
- Dodecassílabo (ou Alexandrino): 12 sílabas poéticas.
Ouso esperar, talvez, que o seu amor me açoite
Mas nunca a fitarei numa maneira franca;”
(Cesário Verde)
- Versos livres: não apresentam medida silábica fixa.
“Não faça versos sobre acontecimentos,
Não há criação nem morte perante a poesia.”
(Carlos Drummond de Andrade)
RIMA
Trata-se da sucessão de sons fortes ou fracos repetidos com intervalos regulares ou variados. Pode ser avaliada quanto ao valor e combinações.
CLASSIFICAÇÃO QUANTO À QUALIDADE
- Pobres: consideram-se assim em virtude da escolha de palavras pertencentes à mesma classe gramatical.
“De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto”
(Vinícius de Moraes)
- Rimas ricas: caracterizam-se como tal pelo fato de que a escolha das palavras se dá de forma variada, ou seja, os vocábulos que se fazem presentes pertencem a classes gramaticais distintas.
“Mas que na forma se disfarce o emprego
Do esforço: e trama viva se construa
De tal modo, que a imagem fique nua
Rica mas sóbria, como um templo grego”
(Olavo Bilac)
- Rimas raras ou preciosas: as rimas raras são aquelas cujas palavras se constituem de terminações incomuns, não muito convencionais.
“Um enorme Zepelim.
Pairou sobre os edifícios,
Abriu dois mil orifícios,
Com dois mil canhões assim.”
(Chico Buarque)
CLASSIFICAÇÃO QUANTO À DISPOSIÇÃO
- Emparelhadas: conhecidas como tipo AABB.
Aos que me dão lugar no bonde (A)
e que conheço não sei de onde, (A)
aos que me dizem terno adeus (B)
sem que lhes saiba os nomes seus (B)
(Carlos Drummond de Andrade)
- Rimas alternadas ou cruzadas: combinam-se alternadamente, seguindo o esquema ABAB.
“O meu amor não tem (A)
importância nenhuma. (B)
Não tem o peso nem (A)
de uma rosa de espuma!” (A)
(Cecília Meireles)
- Rimas interpoladas ou intercaladas: combinam-se numa ordem oposta, seguindo o esquema ABBA (o primeiro verso rima com o quarto).
“De tudo, ao meu amor serei atento (A)
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto (B)
Que mesmo em face do maior encanto (B)
Dele se encante mais meu pensamento.” (A)
(Vinícius de Moraes)
- Rimas mistas ou misturadas: quando apresentam outras combinações e posições na estrofe, sem esquemas fixos.
“É meia-noite… e rugindo (A)
Passa triste a ventania, (B)
Como um verbo de desgraça, (C)
Como um grito de agonia. (B)
E eu digo ao vento, que passa (C)
Por meus cabelos fugaz: (Onde ela está? Longe ou perto?” (E)
Mas, como um hálito incerto, (E)
Responde-me o eco ao longe: (F)
“Oh! minh’amante, onde estás?…” (D)
(Castro Alves)
- Versos brancos ou soltos: é um verso que não rima com nenhum outro verso.
“Uma palavra caída
das montanhas dos instantes
desmancha todos os mares
e une as terras mais distantes…”
(Cecília Meireles)