A Inglaterra, nação que sairia fortalecida com o final das guerras napoleônicas, em 1815, reforçaria sua posição de país hegemônico nas conquistas coloniais. Enquanto alemães e italianos ainda procuravam unificar seus Estados nacionais, russos e austríacos se entretinham com as questões balcânicas e a França juntava os cacos da aventura napoleônica, os ingleses abocanhavam a maior parte das regiões periféricas do sistema internacional, sobretudo, no continente asiático.
O governo imperial chinês, administrado pelos “estrangeiros” manchus da dinastia Qing, mantinha o país sob uma tutela baseada em valores aristocráticos e um rígido controle educacional e burocrático baseado na filosofia de Confúcio. Os mandarins, espécie de elite burocrática imposta pelas práticas manchus, administravam o Estado chinês. Os estrangeiros, sobretudo os ocidentais, eram tratados como “bárbaros” e proibidos legalmente de aprenderem o chinês, estabelecerem portos de comércio no país, empregarem chineses como criados etc. Em suma, o “Império do Centro”, em uma atitude arrogante, não somente procurava ignorar os ocidentais, como até mesmo humilhá-los. O comércio inglês, contudo, não poderia ignorar o potencial do mercado chinês, que já contava com algo em torno de “400 milhões de almas”, para usarmos uma expressão dos missionários cristãos.
O principal produto inglês que inundava o mercado chinês, entretanto, não era nenhum produto têxtil de Manchester ou qualquer outro manufaturado. Os comerciantes ingleses, já devidamente instalados na região da Índia, investiam no tráfico de ópio à China, aventura tentada anteriormente pelos portugueses. O governo imperial chinês, cônscio dos prejuízos sociais e financeiros decorrentes deste infame comércio, ordena a apreensão de todo o ópio existente no porto de Cantão, única localidade autorizada pelo governo a comercializar com os “bárbaros”. Estava preparado o palco para a primeira guerra do ópio e a abertura total da China aos comerciantes ingleses.
Entre 1839 e 1842, juncos chineses tentavam inutilmente resistir ao avanço dos mais modernos navios encouraçados da Inglaterra, um dos grandes símbolos da Revolução Industrial. Ao término da guerra, os ingleses exigem que o governo imperial chinês reconheça o Tratado de Nanquim, também conhecido como “primeiro tratado desigual”. Os termos do tratado explicam facilmente seu apelido: os chineses eram obrigados a indenizar os ingleses, ceder a ilha de Hong-Kong como protetorado, abrir novos portos de comércio, aceitar a livre entrada de missionários cristãos, reconhecer o direito de extraterritorialidade, tratar a Inglaterra como “nação economicamente mais favorecida” etc.

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O ódio dos chineses contra os estrangeiros ficava evidente ao sabermos que os europeus, no parque Shangai Bund, por exemplo, colocaram placas com os seguintes dizeres: “Não se permitem cachorros nem chineses”. As convulsões sociais na China se fariam sentir pela revolta dos chineses cristianizados (taipings) e pelo movimento xenofóbico de sociedades secretas de artes marciais (boxers). Nos dois casos, o governo imperial Qing contratou mercenários estrangeiros para poder manter a ordem no reino.
Em 1911, contudo, a monarquia Qing cairia e a República seria proclamada pelo líder nacionalista Sun Yat Sen, reconhecido como o “pai da China moderna”. A proclamação de Sun Yat Sen, entretanto, não traria mudanças imediatas ao país, que seria arrebatado por uma breve ditadura militar do general Yuan Che Kai. Em 1916, entretanto, desgastado pelas pretensões territoriais japonesas sobre a China e pelos movimentos sociais nacionalistas, Che Kai abandona o poder. Começa um período de total desorganização política e caos social e econômico, que somente seria superado com a unificação do poder central com a Revolução Comunista de 1949.
Durante todo este tempo, o poder na China foi disputado basicamente por três forças políticas. Os invasores japoneses, que chegaram a constituir um governo fantoche na Manchúria, rebatizada como Manchuko, tentavam implementar o Plano Tanaka, que previa a criação de um Império japonês asiático. Os nacionalistas, ou Sociedade para o Renascimento Nacional (Kuomitang), organização criada por Sun Yat Sen, a despeito de terem o mérito de organizar a República nos seus anos iniciais através de ideais liberais e democráticos, perderiam a legitimidade de empregar o termo “nacionalistas”, pois, após a morte de Sun Yat Sen, o partido seria guiado pelo general Chang Kai Check, um militar profundamente anticomunista. Os comunistas, a terceira e mais desacreditada força na disputa pelo poder na China, não tinham nem ao menos o apoio oficial da União Soviética, que desconfiava daqueles camponeses ignorantes que foram doutrinados pelo marxismo. Após serem expulsos da base de Jiangxi pelos nacionalistas, os comunistas, liderados por Mao Zedong, empreendem a Longa Marcha (1935-36), estabelecendo uma nova base de guerrilha na província de Shaanxi.
Os nacionalistas e comunistas estabeleceram uma aliança provisória na luta contra os japoneses, sobretudo quando o “Império do Sol Nascente” iniciou sua guerra de ocupação nos anos de 1930. Chang Kai Check, contudo, considerava como prioridade do seu governo combater os comunistas. Chegou a declarar que “os japoneses eram uma ‘doença de pele’, enquanto os comunistas eram uma ‘doença de coração’”. A tática do Kuomitang era deixar que os comunistas se desgastassem, enfrentassem as tropas japonesas, para depois varrer do mapa o Exército Vermelho. A liderança do Exército de Libertação Popular, o “Exército de Mao”, como também ficou sendo conhecido, entretanto, fez com que os comunistas angariassem um importante apoio popular. Mao exigia dos seus soldados um comportamento disciplinado e cortês, sobretudo no que se referia ao tratamento para com os camponeses. Mao, ele mesmo um camponês da província de Hunan, entendia a necessidade de cooptar o apoio das classes campesinas para a sua revolução socialista. Os dogmáticos teóricos marxistas de Moscou condenavam este desvio maoísta, que ignorava por completo o potencial do insípido proletariado chinês.
Os anos que se seguiram à derrota do Japão na Segunda Guerra Mundial foram decisivos para o Partido Comunista. Em agosto de 1945, os norte-americanos mediaram um encontro de Mao Zedong e Chang Kai Check na cidade de Chongqing para tentar criar um governo de união nacional e acabar com a guerra civil. O encontro de Chongqing foi um fracasso e os violentos embates de nacionalistas e comunistas prosseguiram.
Chang Kai Check, apesar do apoio material americano e de ter empreendido cinco campanhas de extermínio contra os comunistas, seria derrotado. Mao, o camponês de Hunan que detestava intelectuais, entra triunfante em Pequim em 1º de outubro de 1949. Chang Kai Check fugiria para a ilha de Taiwan (Formosa), protegido pela VII Frota de Guerra dos Estados Unidos. A questão do governo não comunista de Taiwan nunca foi resolvida entre Pequim e Taipé.
O novo governo comunista, aparentemente sintonizado com Moscou, começa a sofrer os primeiros abalos com a liderança de Stalin. O líder soviético chegou a comparar Mao com um nabo: vermelho por fora e branco por dentro. Mao Zedong, a despeito de obter algumas concessões do líder soviético em matéria de comércio exterior, não obteria transferência de tecnologia nuclear. Os soviéticos, desejosos de manter o monopólio da bomba atômica no mundo comunista, alegavam que suas armas eram suficientes para cumprir a função de um “guarda-chuva nuclear” contra o Ocidente. Mao Zedong, que já tivera seus atritos com os soviéticos na época da guerra civil, paulatinamente esfria suas relações com o Kremlin. Em 1950, com início da Guerra da Coreia, Mao envia um milhão de voluntários chineses para combaterem os sul-coreanos, apoiados pelos Estados Unidos. Mao, desdenhando o poderio militar norte-americano, tratava o gigante capitalista de “tigre de papel”.
No início de 1956, durante o XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, Nikita Kruschev, sucessor de Stalin, morto em 1953, anuncia a desestalinização, isto é, a denúncia dos crimes de Stalin na década de 1930 contra membros dos Partido Comunista e o culto à personalidade do “grande irmão”. Mao, que já dava mostras de que a sua liderança pessoal deveria estar acima de qualquer possibilidade de liderança coletiva do Partido, afasta-se definitivamente da linha soviética. Mao considerava que a proximidade geográfica dos soviéticos – e os problemas de fronteira decorrentes – tornava-os um inimigo potencialmente mais perigoso que os Estados Unidos.
Durante o VIII Congresso do Partido Comunista Chinês, realizado em 1956, Liu Shaoqui e Deng Xiaoping criticam o culto à personalidade de Mao Zedong e defendem uma liderança coletiva do Partido Comunista. Mao expurgaria, posteriormente, os dois líderes da cúpula do Partido.
Ainda naquele ano, Mao anunciaria o movimento das Cem Flores, no qual defende o slogan “que centenas de flores desabrochem, que centenas de escolas de pensamento floresçam”. Mao estava conclamando a crítica contra o Partido Comunista. O movimento de crítica, contudo, tornou-se uma grande armadilha contra aqueles que ousaram tornar públicos os seus pensamentos contra a liderança comunista. Os elementos de oposição foram identificados e enviados ao campo para serem reeducados. Esta terrível prática – a reeducação pelo trabalho, que tem paralelo na História do nacional socialismo alemão –, consistia em obrigar o inimigo do regime a aderir à ideologia comunista ou morrer de exaustão e maus-tratos nos campos de trabalho. Existia, até mesmo, uma cota de 5% a ser cumprida no sentido de descobrir elementos direitistas nas fileiras do Partido, mesmo que eles não existissem.
No plano interno, Mao Zedong lança um ambicioso projeto de desenvolvimento econômico chinês. O Grande Salto para Frente era um programa que supostamente faria com que a China ultrapassasse a Inglaterra na produção industrial em 15 anos. O programa previa a criação de siderúrgicas de fundo de quintal por toda a China: camponeses abandonavam a lavoura para produzir aço, pequenas casas montavam fornos improvisados, utensílios domésticos eram confiscados para serem fundidos, portas de madeira eram retiradas para servirem de combustível para os fornos etc. O pretenso desenvolvimento siderúrgico do Grande Salto foi um total fracasso. A produção de alimentos através de comunas populares, o segundo pilar do programa, também foi um desastre: estima-se que cerca de 40 milhões de pessoas morreram de fome por consequência dos erros políticos decorrentes do Grande Salto. Enquanto isso, a China exportava boa parte dos seus grãos para pagar as dívidas existentes com a União Soviética pela compra de armas na época da Guerra da Coreia.
Um dos maiores problemas do projeto era que os técnicos do Partido Comunista estabeleciam metas virtualmente impossíveis de serem alcançadas com o objetivo de agradar a liderança de Mao. Os comissários locais do partido maquiavam relatórios e falseavam informações com medo de serem rotulados de incompetentes ou contrarrevolucionários. Os poucos elementos do Partido que ousaram criticar a liderança de Mao, como, por exemplo, o general Peng Dehuai, foram expurgados do Partido e presos sob a acusação de serem contrarrevolucionários.
Apesar do fracasso do Grande Salto para Frente, Mao Zedong jamais seria responsabilizado pelo desastre decorrente. O “Imperador Vermelho”, tratado como infalível, será protegido de qualquer responsabilidade: a culpa deveria ser atribuída aos elementos burgueses e reacionários que ainda se encontravam nas fileiras do Partido.
Em 1966, Mao Zedong, através de sua quarta esposa, Jiang Qing, lança a Grande Revolução Cultural do Proletariado, nominalmente um programa para expurgar da sociedade chinesa os valores ocidentais, burgueses, decadentes e reacionários. Na realidade, a Revolução Cultural seria utilizada por Mao para eliminar do Partido todos aqueles elementos que, de alguma maneira, ainda questionavam a liderança de Mao. Os Guardas Vermelhos, jovens estudantes chineses, contavam com a proteção do Exército e com a simpatia do governo. O general Lin Biao, comandante do Exército e fiel seguidor de Mao, lançara o Livro Vermelho de Mao Zedong, em 1964, uma pequena publicação com máximas do Grande Timoneiro. O Livro Vermelho tornaria-se o símbolo da Revolução Cultural: os jovens estudantes o ostentavam nas manifestações públicas em que “elementos reacionários”, como professores universitários, intelectuais e cientistas, eram humilhados publicamente, sendo obrigados a ficarem prostrados no chão, reverenciando a imagem de Mao Zedong. Os direitos autorais do Livro Vermelho tornariam Mao um dos homens mais ricos da China.
A Revolução Cultural, que teve no Movimento das Cem Flores o seu grande antecedente, foi a última manifestação de massas de Mao contra todas as lideranças do Partido Comunista que ainda tinham algum grau de independência ou que defendiam uma postura de liderança coletiva do Partido em detrimento do culto maoísta, como, por exemplo, Deng Xiaoping e Liu Shaoqui. A esposa de Mao, Jiang Qing, juntamente a outras lideranças do Partido, formaria um grupo que seria responsável pela fiscalização e pela censura de toda a produção cultural.
Os Guardas Vermelhos, contudo, quando começam a mostrar excesso de ousadia nos ataques contra determinados elementos do Partido ou contra os estrangeiros – Liu Shaoqi chegou a ser espancado por jovens estudantes e a representação diplomática inglesa chegou a ser invadida – são freados: Mao dá ordens aos estudantes que voltem para as escolas e para as universidades. Os mais recalcitrantes são presos, mortos ou enviados para os campos para serem reeducados pelo trabalho, tal qual os elementos burgueses que eles combateram em nome do presidente Mao.
Em 1970, o “pensamento de Mao Zedong” é oficialmente reconhecido como a linha ideológica do Partido Comunista chinês. Crescem as tensões entre a União Soviética e a China ao longo da extensa fronteira. A China chega a se mobilizar para uma guerra e túneis são escavados por toda a cidade de Pequim para prevenir um ataque nuclear (Projeto 19 de maio). Mao inicia uma discreta política de aproximação com os Estados Unidos. O general Lin Biao, insatisfeito com a política externa de Mao e ambicionando o poder, tenta um golpe de Estado que ficaria sendo conhecido como “projeto 5-7-1”. O golpe fracassa e o general Lin Biao morre, num desastre de avião, ao tentar fugir do país.
Em 1972, numa jogada política que ficaria sendo conhecida como a “diplomacia do pingue-pongue”, Mao Zedong, com a saúde totalmente debilitada, recebe o presidente americano Richard Nixon em Pequim. Em 9 de setembro de 1976, após a falência de seus órgãos vitais, a equipe médica de Mao Zedong anuncia oficialmente a morte do Grande Timoneiro. O corpo de Mao, assim como dos líderes comunistas Lênin, Stalin e Ho Chi Minh, seria mumificado. Deng Xiaoping, o líder comunista expurgado que foi reabilitado por Mao pouco antes de sua morte, assume o poder na China comunista e afasta o grupo da Revolução Cultural, apelidada de “gangue dos quatro” do governo. Deng Xiaoping declara: “Eu não me importo se o gato é preto ou branco. Enquanto for bom para caçar ratos, ele serve”, sintetizando bem o pensamento econômico do novo premiê.