A CONSTITUIÇÃO POLACA E O INÍCIO DO ESTADO NOVO (1937-1945)
O início do Estado Novo chama a atenção pela relativa tranquilidade com que a população recebeu o golpe: a oposição foi mínima, senão inexistente. O apelo comunista, feito durante anos pela propaganda oficial do governo, favoreceu um sentimento de que o Estado Novo estava salvando o país, evitando assim a instauração de um regime comunista sob o comando de Luís Carlos Prestes e seus partidários.
Com a nova realidade governista, ocorreu o fim dos partidos políticos por estes não “atenderem” as necessidades do povo. Getúlio Vargas foi colocado como um líder, como uma encarnação viva da vontade do povo e da nação. O Estado Novo teve duração de oito anos, ficando compreendido entre 1937 a 1945. A Constituição de 1937, conhecida como Polaca, foi elaborada pelo Ministro da Justiça Francisco Campos, e pregava as seguintes diretrizes:
- o predomínio do poder Executivo, sobre as outras esferas de poder, por isso o executivo era considerado Supremo e dando poder a figura de Vargas.
- o completo controle sobre os estados, podendo Getúlio a qualquer momento nomear interventores para gerenciar os Estados de acordo com a vontade do chefe do poder Executivo. Na prática isso significou o fim do federalismo, com os estados perdendo sua autonomia frente o governo central. Em comemorações públicas realizadas em todas as capitais, as bandeiras estaduais foram queimadas para simbolizar a morte do antigo federalismo;
- a instituição do Estado de Emergência, realizando uma “caça às bruxas” para qualquer inimigo do Estado Novo, dando início a uma severa perseguição aos opositores de Getúlio, incluindo o poder do presidente suspender as imunidades parlamentares, prender , exilar e invadir domicílios;
- a extinção do poder Legislativo, cujas funções passaram a ser exercidas pelo Executivo, com a criação da ferramenta dos decretos-leis, uma ação exclusiva do presidente Getúlio Vargas.
- a subordinação do poder Judiciário ao Executivo com a concentração do poder na figura de Getúlio Vargas;
- instauração da pena de morte e legalização da censura para os meios de comunicação – jornais, rádio e cinema.
Essa Constituição de 1937 deveria ter sido referendada (confirmada) por um plebiscito, tendo como ano limite para sua confirmação o ano de 1943, mas não passou por essa avaliação. Além da Constituição de 1937, para facilitar a ação do Estado Novo, outras ferramentas foram criadas pelo governo com o objetivo de favorecer um clima de tranquilidade durante o regime, como:
- DASP: criada em 1938, essa divisão ficou responsável pelo recrutamento de trabalhadores via a realização do concurso público, para atender as necessidades do aparelho burocrático brasileiro.
- DIP: Em 1939, foi criado um órgão do governo, o Departamento de Imprensa e Propaganda, encarregado do controle ideológico no Estado brasileiro e censurando os meios de comunicação e propaganda, buscando difundir na sociedade o medo do perigo comunista. Com o DIP, houve um fortalecimento da imagem de Getúlio Vargas, cultuando a figura de Vargas em vários programas diários. Uma das principais atuações do DIP foi a realização diária do programa de rádio Hora do Brasil, que acontecia das 19 às 20h.
- Polícia Secreta: Chefiada por Filinto Muller, a polícia secreta consistia na repressão a indivíduos nocivos ao regime ou a ordem pública, utilizando-se de torturas ou assassinatos. Foi com a ação da Polícia Secreta, que foi realizada a prisão de Luís Carlos Prestes e sua esposa Olga Benário, principais líderes da Aliança Nacional Libertadora, organização comunista responsável pela organização da Intentona Comunista, ocorrida em novembro de 1935. O caso de Olga Benário causou comoção quando ela foi deportada, grávida, para a Alemanha nazista, onde ficou confinada em um campo de concentração. Poucos anos depois da prisão, foi assassinada na câmara de gás do campo de Ravensbrück.
- Controle dos sindicatos: o Estado Novo decidiu condicionar trabalhadores, que ficaram presos ao sindicalismo estatal, que por sua vez era controlado pelas forças de Getúlio. Dessa forma, os patrões e empregados tinham relações de trabalho intermediadas pelo Estado Novo. Como os sindicatos eram vinculados ao Estado, o interesse de todos, empregados e patrões, estavam ligados ao interesse nacional. Por isso as greves de trabalhadores e a prática de lockout (paralisação da produção ou da venda de mercadorias, determinada por empresários) foram proibidas, por serem “recursos antissociais incompatíveis com os interesses do país.” Dessa forma, o governo instaurava o regime corporativista, sendo o principal intermediador das relações entre trabalhadores e empresários no Brasil.
- Práticas populistas: O principal meio de fortalecimento do poder do Estado, foi a aproximação de Getúlio Vargas dos trabalhadores urbanos, configurando-se em práticas populistas. Esses trabalhadores eram oriundos do processo de êxodo rural a partir da década de 1930 e se relacionavam com o presidente Vargas, recebendo assim benefícios e vantagens para a classe trabalhadora. Em contrapartida, davam apoio ao ditador, que se mantinha no poder sem dificuldades. Essa prática favoreceu a conquistas de inúmeros benefícios e direitos a classe trabalhista, algo que nunca ocorreu durante a República Velha. Agora, o proletariado era caso de Estado, ou seja, tinha o seu protagonismo.

Cartaz do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) de 1944,exaltando a figura de Vargas e o início do estado Novo, inaugurado em 10 de novembro de 1937.
Fotos: Acervo Iconographia/Reminiscências
A INTENTONA INTEGRALISTA (1938)
Após o estabelecimento do Estado Novo e o fim dos partidos políticos, os integralistas acabaram ficando à margem do governo. Essa ausência de participação política dos integralistas no Estado Novo, fez com que cerca de 50 integralistas liderados pelo tenente Severo Fornier, em 1938, atacaram o Palácio Guanabara no dia 11 de maio de 1938, na tentativa de derrubar Vargas. A guarda especial de Vargas resistiu a invasão trocando tiros com os integralistas, e com a ajuda militar recebida, vários integralistas acabaram mortos no local e os demais fugiram.
Esse ataque dos integralistas contra a figura de Getúlio Vargas ficou conhecido como a Intentona Integralista, em 1938. Após a derrota dos integralistas, seguiu-se o exílio de Plínio Salgado para Portugal e o desaparecimento do movimento integralista durante o Estado Novo.
EDUCAÇÃO, CULTURA E TRABALHO
A legislação trabalhista de Getúlio inspirava-se na Carta del Lavoro, da Itália fascista, onde o Estado era o principal articulador entre empresários e empregados, garantindo assim o atendimento aos interesses nacionais. Em 1940, com a instituição do Imposto Sindical, a autonomia sindical foi finalmente liquidada. Cobrando de forma compulsória e anualmente dos trabalhadores, o imposto era recolhido pelo Ministério do Trabalho, que redistribuía entre os sindicatos, fazendo com que estes se tornassem dependentes do Estado e assim facilmente manipuláveis.
Isso permitiu o surgimento dos pelegos, trabalhadores que não representavam autenticamente os interesses de sua classe, e beneficiados pelo sistema sindical, identificavam-se com o governo. Os “pelegos” eram os funcionários que buscavam combater as greves e diluir os movimentos de insatisfação dos trabalhadores. Dessa forma, serviam aos interesses do governo e dos empresários, que não queriam a organização dos trabalhadores de maneira que ameaçasse o projeto industrial do governo.
Em 1943, a legislação trabalhista foi reunida na Consolidação das Leis do Trabalho, em vigor até os dias atuais. A CLT serviu para unificar as leis trabalhistas constituídas por Getúlio, num documento que pudesse defender os interesses trabalhistas e assim servir de ferramenta populista aos desígnios políticos de Getúlio.
Tradicionalmente, no dia 1º de maio, o Ministério do Trabalho organizava “encontros” oficiais entre Getúlio Vargas e os trabalhadores. Esses encontros incluíam a realização de desfiles escolares, operários, militares, apresentações de bandas e torneios esportivos. Getúlio fazia um discurso, sempre iniciado com a frase “Trabalhadores do Brasil…” e num dado momento anunciava uma medida trabalhista que arrancava aplausos da multidão. Por isso, os trabalhadores passaram a considerá-lo o “pai” de todos os brasileiros. Dessa forma, foram introduzidos no Brasil o salário mínimo, a semana de 44 horas, a carteira profissional, as férias remuneradas e outros benefícios. Reforçando assim o poder de Getúlio Vargas durante o seu regime.
No campo educacional, a ferramenta de controle criada por Vargas foi o Ministério da Educação. Por meio dele, tornou-se obrigatória a adoção, pelas escolas, de diversos instrumentos que difundiam a ideologia governista entre os estudantes. São exemplos disso:
- a instituição da disciplina de moral e civismo, para ensinar os princípios de cidadania aos estudantes;
- as aulas de canto e coral, como repertório musical nacionalista;
- a realização de desfiles e paradas estudantis nas comemorações de datas cívicas, exaltando a figura do líder do país, no caso Getúlio Vargas;
- a adoção de livros didáticos que promoviam o culto à personalidade de Getúlio Vargas e a exaltação de seu governo.
Na parte cultural, o governo buscava apoio de intelectuais e artistas do período, para sustentar assim o poder do Estado Novo. Uma das práticas mais comuns era a “encomenda” de canções com letras favoráveis a política Varguista, compostos por nomes famosos como Ataulfo Alves e Wilson Batista. Como exemplo deste controle cultural, em 1943, Benedito Lacerda e Darci de Oliveira compuseram o samba Salve 19 de abril!, gravado por Dalva de Oliveira, em homenagem ao aniversário de 60 nos de Getúlio Vargas, nascido no dia 19 de abril de 1882.
TRANSFORMAÇÃO ECONÔMICA E O DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL BRASILEIRO
A Política de valorização do café, iniciada em 1906, entrou num beco sem saída com a crise de 1929. Milhares de sacas estocadas estavam sem compradores e não havia recursos internacionais disponíveis para bancar a compra de novas safras.
No início do governo de Getúlio Vargas, em 1931 foi criado o Conselho Nacional do Café (CNC), que ficou sob rígido controle do governo central. O conselho buscou reeditar a velha política de valorização do café, promovendo a compra e a estocagem do produto. A partir de julho de 1931, sem recursos para manter a compra regular do café e a contínua política de valorização, o governo decidiu queimar os estoques de café.
Ao longo do período Vargas, entre 1931 a 1944, foram destruídas mais de 78 milhões de sacas de café, na prática que ficou conhecida como as “cotas de sacrifício”, onde cerca de 40% da produção era destinada à queima. Chegava ao fim a longa hegemonia da economia cafeeira. Até a década de 1920, as indústrias se desenvolveram a sombra da economia agrário-exportadora. Ao longo do inicio do século XX, a chegada de imigrantes e a generalização do trabalho assalariado imprimiu uma ampliação dos espaços urbanos, com o surgimento das ferrovias e a melhoria dos portos, provocando a ampliação da demanda por bens intermediários, como ferro, aço e cimento, e bens de capital, como máquinas, equipamentos, e instalações fabris.
Com uma economia voltada para o setor primário, o Brasil acabava importando diversos produtos industriais, mostrando uma frágil dependência do país com as economias estrangeiras. Após a Primeira Guerra, houve uma conscientização da necessidade de mudança, trazendo as primeiras iniciativas espontâneas que começaram a fabricar localmente os produtos até então importados, numa política de substituição de importações.
Entre 1933 e 1939, a indústria brasileira teve um crescimento expressivo, principalmente nos setores menos sofisticados, a indústria leve, que era baseada na produção de têxteis e processamento de alimentos. Num processo conhecido como “substituição de importações”, os investimentos que antes se concentravam no setor exportador foram redirecionados para a produção industrial voltada ao mercado interno, incentivando um tímido crescimento industrial no Brasil, ainda financiado pela inciativa privada.
O modelo adotado pelo Estado Novo recebeu o nome de “industrialização por substituição de importações”. O governo tomou uma série de medidas decisivas que propiciaram o avanço da industrialização como uma política de proteção tarifária, com a diminuição das tarifas sobre máquinas e equipamentos industriais e elevação de tarifas sobre produtos importados similares aos produzidos no Brasil. Outra política importante foi a oferta de crédito, com taxas favoráveis a atividade industrial, que possuíam juros extremamente reduzidos. Essas medidas foram importantes para o aquecimento do mercado nacional e a produção de bens, fortalecendo assim o processo de industrialização nacional.
Para quebrar a tradição brasileira de prática monocultora na realidade agrícola, o governo Vargas buscou também interferir no setor primário, incentivando assim a diversificação da agricultura. Para isso, criou organismos especializados como o Instituto do Açúcar e do Álcool, o Instituto do Mate e do pinho e o Instituto do Cacau da Bahia. Esses organismos visavam aperfeiçoar as técnicas de cultivo e produção, alargando assim o mercado externo para os produtos agrícolas brasileiros.

A intervenção do estado na economia foi fundamental para promover e coordenar o crescimento econômico. Acima, Vargas em cerimônia patrocinada pelo Instituto do Açúcar e do Álcool, em 1941.
Acervo Iconographia/Reminiscências
INDECISÕES DO ESTADO NOVO
O Estado Novo getulista conservava-se neutro em relação ao conflito que eclodira entre os estados liberais e os nazifascistas em 1939. O governo brasileiro se mantinha indeciso, por conta do reflexo das tendências contraditórias nos quadros importantes do governo: enquanto que Filinto Muller e Francisco Campos eram favoráveis às potências fascistas, o Ministro das Relações Exteriores Oswaldo Aranha era a favor dos aliados. Entre as duas tendências oscilavam os generais Góis Monteiro e Eurico Gaspar Dutra, principais líderes militares do Estado Novo.
Em 11 de junho de 1940, em meio às espetaculares vitórias da Alemanha na Europa, que incluíam a ocupação e rendição da França, Getúlio Vargas pronunciou um discurso saudando o sucesso nazista. Temerosos, os Estados Unidos intensificaram as tentativas de aproximação cada vez maior com o Brasil, dando início a uma política de boa vizinhança, que, no caso brasileiro, foi expressa na vinda de Walt Disney ao Brasil, atendendo a um pedido do governo americano, e a criação do personagem Zé Carioca.